A Minha Pátria É a Língua Portuguesa

A Minha Pátria É a Língua Portuguesa

Para além de ser o nosso instrumento privilegiado para produzir pensamento, a força da língua portuguesa vem do facto de transportar dentro de si muitos dos olhares e culturas do mundo e de ter uma grande facilidade juntar esses olhares e culturas a conversar à mesma mesa. Ser uma língua de diálogo e encontro de mundos é claramente uma vantagem estratégica, num tempo em que parece emergir a tendência para se levantarem mais muros que pontes, no tempo da globalização em que esse diálogo e troca de pontos de vista é fundamental e urgente.

 

Apesar de muitos de nós nos assumirmos como cidadãos do mundo, é ainda muito forte a dimensão do país de que somos originários, da nossa casa, o que condiciona em muito a afirmação da cidadania europeia. A cidadania europeia existe ao nível do que chamamos a geração Erasmus, uma geração que hoje já integra um número significativo de cidadãos, alguns já com mais de 40 anos. Como se pode constatar no referendo inglês que levou ao Brexit, foram os jovens, ou a geração Erasmus, os que votaram pela permanência na União Europeia, mostrando como vivemos um tempo de transição para uma Europa que só tem condições de dar saltos qualitativos e de se concretizar, enquanto comunidade, quando a geração Erasmus tomar o poder.

 

Esta realidade acontece com o universo da língua portuguesa, e, apesar da proximidade da língua potenciar uma ligação mais forte, aliada a toda uma história vivida com cruzamentos e proximidades, é necessário um esforço para que se interiorize a dimensão do cidadão lusófono, o cidadão que pensa e fala em português. Um processo que vai obrigar, primeiro que tudo, a descentrar-nos, e a dizer como Pessoa que a nossa Pátria é a Língua Portuguesa, ou como o Gabriel o Pensador e o Boss Ac, que:

 

Sou carioca de Goa, de Angola e da Guiné
Cabo Verde, Moçambique, Timor-Leste e São Tomé
Macau, Portugal mas vim pela Galicia

Que a vida é uma delícia temperada nesse sal
Cabral descobriu muito menos do que eu
Os meus descobrimentos não estão nos museus
Nem nos livros de História mas estão na minha memória
E na dos meus amigos que navegam comigo

 

O lançamento na passada terça-feira de um Atlas da Língua Portuguesa concebido por uma equipa do ISCTE, e patrocinado pelo Instituto Camões e com prefácio do Ministro Augusto Santos Silva, Atlas que foi apresentado na última cimeira da CPLP no Rio de Janeiro, é mais um instrumento que em vez de facilitar, dificulta o processo, pois estes instrumentos, que pensamos fundamentais para a afirmação duma cidadania global só podem ser construídos por equipas com os múltiplos olhares e culturas que a língua tem e que são a sua grande riqueza. Caso contrário temos visões parciais da realidade que acabam por dificultar o processo, como se pode ver num outro projecto realizado sobre o Valor Económico da Língua Portuguesa, em que se percebia claramente a visão unilateral com que foi realizado analisando a lista das personagens de referência, ou os cromos da lusofonia como lhe chamo.

 

Apesar de todas as declarações de aposta no universo da Língua Portuguesa por parte de António Costa, parece não existir uma estratégia clara sobre o como concretizar esta aposta, principalmente quando para o Rio se queria enviar o Pop Galo, ou quando num cartaz em Lisboa se tem uma visão parcial do mundo, uma visão muito ocidental, ao usar Berlim e Silicon Valley como únicas referências.

 

Talvez a abertura da exposição de Lisboa Global no Museu de Arte Antiga em Lisboa, adiada por razões até à vista inexplicáveis, nos possa abrir perspectivas, e ajudar-nos a perceber que se já fomos os pioneiros da globalização, agora será no quadro da Pátria da Língua Portuguesa que seremos ou poderemos ser os pioneiros da nova globalização.

 

Saibamos olhar para o mundo com os olhos da língua portuguesa e tudo será possível!

 

Carlos Fragateiro

 

https://www.youtube.com/watch?v=W8jaOQ639ds

Carlos Fragateiro
carlos.fragateiro1@gmail.com
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