
09 Mai Um Presidente na loja de porcelanas
Com a última declaração sobre o critério para equacionar a sua recandidatura à presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa abriu a caça ao vale tudo, esse animal que tanto pode ser o escaravelho como o mamute. E esse critério, exclusivo, seria a repetição dos acontecimentos do verão/outono de 2017. A deslealdade atinge, assim, o seu valor mais elevado na bolsa de valores quando afirma publicamente que não dissolve a Assembleia da República mas declara-se fora da corrida presidencial.
O Presidente da República sabe, nós sabemos, que a verificar-se tal situação abria-se uma crise política com consequências imprevisíveis, que iria colocar o país à mercê de todo o arsenal demagógico e populista. Além disso, a solenidade com que a declaração foi feita e o sentido de irreversibilidade que lhe foi dado representam outros tantos factores de risco para que se verifiquem fenómenos de aproveitamento do lado de quem aspire a lançar o país numa situação crítica. É, por isso, legítimo defender que constituiu uma grave manifestação de leviandade política o Presidente da República ter afirmado o que afirmou.
Fica, ainda assim, por definir, e não é coisa pouca, o que significa para o Presidente da República repetirem-se aqueles acontecimentos, mesmo considerando que a história só se repete sob a forma de farsa. Ao omitir os critérios para proceder a tal avaliação e julgamento, em qualquer altura, do alto da sua magistratura, pode declarar que se está perante uma catástrofe, et pour cause vai para o palácio limpar as pratas e podar as macieiras. O mesmo é dizer, declarar-se-ia politicamente incontactável. Conhecendo-se como se conhecem os meandros do seu sentido táctico, a circunstância de Rui Rio ser actualmente o líder do partido político a que pertence pesou seguramente para utilizar esses graus de liberdade no sentido que sempre entendeu ser mais útil, contribuir activamente para trazer a direita para dentro do perímetro da governação.
Mas existe um lado mais sórdido daquela declaração, utilizar politicamente a boa gestão do período crítico dos incêndios, aquela sob que pesa a espada do Presidente da República, para justificar a sua recandidatura e por essa via ver aumentada a sua influência política. A este movimento do cavalo, ameaçando simultaneamente o bispo e o rei, responde-se noutro tabuleiro com a convergência das forças de esquerda naquilo que é essencial: cumprir a legislatura e explorar todos os entendimentos possíveis na noite das eleições de 2019.
Post scriptum. É por estas e por outras que não me sai da memória aquela imagem simbólica do primeiro-ministro a proteger o Presidente da República da chuva que caía em Paris, e que não posso deixar de proferir repetidamente um impropério. Irra!, é o mínimo.
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