The dark side of America

The dark side of America

Na madrugada do dia 10, já altas horas, ao assistir ao que se estava a passar do outro lado do Atlântico, veio-me à lembrança a queda da república de Weimar. Foi uma lembrança  excessiva? Veremos, sobretudo a forma como se vai manifestar esta alteração  da política americana. Um presidente, este presidente, e duas maiorias, no senado e na câmara dos representantes, são a combinação que coloca nas mãos desta dissidência do tradicional partido republicano as ferramentas institucionais para o regresso ao nacionalismo e ao soberanismo, tal como foram defendidos e enfatizados por Trump durante a campanha eleitoral. Tudo o que se diga para relativizar um fenómeno com este significado será sempre uma manifestação de incompreensão política do acontecimento, considerando não só o contexto social e económico mundial em que se verificou como as condições subjectivas que o tornaram possível. E não se diga que Hillary Clinton explica Trump porque seria uma interpretação politicamente simplista e reducionista do que aconteceu. Esta derrotada não explica este vencedor, ou pelo menos não explica completamente. É o partido democrático que explica a vitória de Trump, porque a seguir a Obama, para derrotar aquele candidato, não poderiam ser dados não um mas dois passos atrás, teria de ser escolhido um candidato que consolidasse e fosse além do programa de Obama. Se  os sinais políticos indicavam a vontade de mudança, escolher o centrismo não deixou de representar  uma  cedência  às exigências dos extremistas do Tea Party. E no entanto houve um candidato cujo programa reunia as melhores condições para obter outro resultado, Benny Sanders.

Interessa particularmente aos europeus o que se passou na noite de 9 de Novembro nos EUA, na medida em que da a arte à literatura, a ciência e a tecnologia, o que lá acontece de  relevante acaba também por ter impacto e influenciar a vida política europeia. E assim como, por exemplo,  a chegada do PT ao Palácio do Planalto não deixou de influenciar a democratização da vida política nos restantes países da América do Sul, terminando com as ditaduras que ainda se mantinham no poder, a Casa Branca de Trump não deixará de representar o quartel general da reacção, não só naquele continente mas também na Europa.

Além das derivas autoritárias que se estão a verificar em alguns países do leste europeu, os populismo que vão proliferando um pouco pela Europa dos 15 ganharam um novo aliado e um renovado alento para se afirmarem: em França, na Grã-Bretanha e na Alemanha, principalmente. E no que diz respeito a França, as eleições presidenciais estão aí, com a extrema-direita a ter como principal adversário um candidato da direita. Se Trump nos diz respeito,  Le Pen diz-nos igualmente respeito porque a circulação das ideias entre europeus fazem-se com maior facilidade, a Europa continua mergulhada numa aguda crise social e  as afinidades  políticas entre estes povos são bem conhecidas.

A derrota de Hillary Clinton foi também a derrota de uma social-democracia tal como a passámos a  conhecer com Blair, Schroder e Bill Clinton. Se a rendição da social-democracia aos valores da nova direita contribuiu para a situação social que se vive na Europa, cabe à esquerda fazer o seu trabalho sem perder de vista as alianças necessárias para conter e derrotar os ventos que vão soprar  do Mississipi, do Arkansas, do Texas ou do Alabama.

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

1 Comment
  • Paulo Nuno Torres Bento
    Posted at 15:45h, 13 Novembro

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