Subitamente, no canal 3 da RTP

Subitamente, no canal 3 da RTP

Raramente acontece, mas ontem, 21 de Outubro, por volta das 22h00, o canal 3 da RTP surpreendeu-nos com o programa liderado pela jornalista Ana Lourenço, em que o coreógrafo Rui Horta e o gestor Pedro Norton se pronunciaram pelo que começa a tornar-se um excesso, já com características de obesidade: a dívida, o défice e  o que vai crescendo nas suas imediações, quer sob a forma de discurso, quer constituindo-se como argumento para secar tudo quanto à sua volta apela a que se tomem medidas. Está a assistir-se à aplicação dos ensinamentos que vêm em qualquer manual sobre como tratar um eucalipto.

Desde que o governo tomou posse, toda a política tem girado em torno dos assuntos económico-financeiros com se, afirmava Pedro Norton, eles não passassem de aspectos instrumentais relativamente a todos as outras dimensões da vida das populações. Com excepção da Educação, há, de facto, no governo, uma segunda divisão de matérias, para as quais só é exigida às tutelas que vão fazendo o suficiente,  mantendo-as sob observação, do género, vamos lá ver como está essa temperatura. Remetendo para Hemingway, de que não devemos confundir movimento com acção, em sectores vitais da governação o movimento até nos chega com banda sonora, mas isso não é suficiente para  lhe dar o sentido e a eficácia da acção. E se 2016 foi dominado pela gestão da aplicação do orçamento do Estado,  os cuidados com a dívida, o défice e o rating, os sinais aí estão de novo para indicar que 2017 poderá não trazer grandes alterações de rumo.

A ser assim, a não se verificar uma recomposição da estrutura das prioridades, e a continuar a manterem-se os olhos fixados no painel dos indicadores económicos e financeiros, teremos mais um ano particularmente anémico no que diz respeito à reabilitação da política de saúde e do SNS, á melhoria da organização e resposta da administração da justiça, e à manutenção da adinamia da reforma do Estado, principalmente na organização e nas políticas de proximidade. Os eleitores e a base social de apoio desta solução política são pacientes, mas não são eternamente pacientes. Se em 2017 o governo se mantiver inflexível quanto às suas prioridades, deve caber ao BE e ao PCP tomarem a iniciativa na Assembleia da República. Ideias e soluções não faltam. Estando praticamente tudo dito nestas áreas, torna-se necessário que alguém, desejavelmente o primeiro-ministro, mas também poderão ser a líder do BE ou do PCP, erga a claquete e pronuncie a palavra prometida: acção!

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

2 Comments
  • Isabel Falcão
    Posted at 22:47h, 23 Outubro

    Subscrevo, com saudações cordiais.

    …enquanto subsistirem certos “engarrafamentos” no sistema e não houver coragem política para os derrubar numa participação efectiva desejável não sairemos do beco .
    E a vaquinha precisa de horizontes e alimento saudável.

    • Cipriano Justo
      Posted at 15:45h, 24 Outubro

      Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que a herbívora se alimente da melhor erva e do feno mais saudável. Mas ela pertence à espécie que gosta de companhia e que falem com ela. Por isso tudo o que puder ser feito para o seu bem-estar ela agradece. Pelos menos foi o que me confidenciou.