Sobre os novos comentadores de quase tudo

Sobre os novos comentadores de quase tudo

Há por aí um tipo novo de comentadores políticos, de extração académica refira-se (ou seja, não estamos a falar dos já estafados políticos – comentadores, outra singularidade portuguesa no contexto europeu…), que comentam vários assuntos nos órgãos de comunicação, sendo amiúde apresentados como especialistas sobre assuntos políticos, política internacional, política domestica, política de países europeus, política de país latino-americanos, política norte-americana, política do médio oriente, etc., etc., etc. Obviamente, não está em causa o direito de todos os cidadãos terem opinião sobre os mais variados assuntos, desde que tentem pelo menos informar-se minimamente sobre eles, e sobretudo desde que as suas opiniões sejam apresentadas como opiniões cidadãs… não como opiniões de especialistas disto ou daquilo….

 

Um dos traços que nos interpelam acerca do novo tipo de comentadores políticos, referido acima, é, por um lado, serem apresentados como especialistas de política internacional, e/ou nacional, e, a partir daí, vai de comentarem assuntos da política domestica de vários países do mundo (além do nosso), de vários continentes e regiões do mundo… Não está em causa, como disse, todos termos opinião sobre tudo, nem está em causa existirem alguns indivíduos que pela sua formação académica e profissional possam emitir opiniões cidadãs mais qualificadas sobre tudo… o que não deviam era serem apresentados como especialistas, para depois falarem sobre tudo…. Apenas e só porque tal é um oximoro!

 

Acresce que, no novo tipo de comentadores políticos referidos, há uma correlação negativa muito interessante e curiosa entre a frequência das suas aparições públicas e o seu desempenho académico, em matéria pesquisas e publicações: o seu grau de exposição nos órgãos de comunicação social é inversamente proporcional à quantidade das suas pesquisas e publicações sobre os assuntos que comentam, em particular, mas também de uma forma geral (sobre os assuntos políticos em geral). Como diria o camarada Jerónimo de Sousa se estivesse a analisar este assunto e tivesse de repescar um provérbio popular: «vale mais cair na graça do que ser engraçado». Acresce ainda que, para as suas carreiras académicas e profissionais, talvez devessem pesquisar e publicar um pouco mais e comentar um pouco menos?!?… Mas quanto a isso, eles e elas lá sabem!…

 

Mais grave de tudo isto é o que revela da natureza dos órgãos de comunicação social portugueses, da sua conceção sobre o que é um especialista sobre determinado assunto, sobre o que é o comentário académico e profissional especializado e, no fundo, revela-nos da fragilidade da função fundamental dos jornalistas e dos órgãos de comunicação social portugueses em atuarem como gatekeppers na seleção, para o comentário político, da opinião mais qualificada e especializada para opinar sobre os diferentes assuntos da política nacional e internacional…. Como se não bastasse já a legião dos políticos – comentadores!?!…

Fonte da imagem: «Political Scientistis as Spin Doctors», in Hungarian Spectrum.

André Freire
andre.freire@meo.pt

Professor Catedrático em Ciência Política. Foi diretor da Licenciatura em Ciência Política do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (2009-2015). É desde 2015 diretor do Doutoramento em Ciência Política do ISCTE-IUL. Investigador Sénior do CIES-IUL. Autor de numerosas publicações em livros e revistas académicas. Perito e consultor convidado de várias instituições nacionais e internacionais.

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