19 Jan Representar os Portugueses: Breves Histórias dos Partidos
Representar os Portugueses: Breves Histórias dos Partidos
- Partidos e democracia
Este ano tivemos eleições legislativas em outubro. As eleições são um momento maior numa democracia liberal e representativa. Ou seja, num tal regime é acima de tudo através das eleições que os cidadãos escolhem os seus representantes e, assim, asseguram que as suas preferências em matéria de governação e de políticas públicas são representadas ao nível do parlamento e do governo. Além disso, é também através dos processos eleitorais que os cidadãos julgam, com veredictos vinculativos, o exercício dos governantes durante o mandato em terminus, reconduzindo-os quando pensam que governaram bem, ou afastando-os em caso contrário. Ora neste processo de representação política os partidos são agentes fundamentais, e por isso fala-se em «democracia de partidos». São eles que organizam a vontade popular socializando politicamente as pessoas e mobilizando-as para votar, mas também agregando e articulando as diversas preferências políticas das pessoas em programas políticos coerentes e estruturados. São eles ainda que selecionam o pessoal político e não só asseguram a governação do país como assumem a responsabilidade (coletiva) pelo que correu bem e pelo que funcionou mal no final de cada mandato.
- Representar os portugueses: breves histórias sobre os partidos
O Verão passado foi, pois, um contexto especialmente adequado para a edição e distribuição, pelo Jornal Público em associação com a editora 100 folhas, da coleção em 6 volumes acerca da história dos 7 partidos portugueses com representação parlamentar na XIII legislatura, BE, CDS-PP, PAN, PCP, PEV, PS e PSD. Coordenada por Vasco Ribeiro e José Santana-Pereira, professores de ciências da comunicação e jornalismo, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e de ciência política, no ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa), respetivamente, a coletânea de 6 volumes tem outros atrativos além da pertinência temática, em geral, e da oportunidade em ano eleitoral, em particular. Por um lado, porque os estudos do género sobre cada um dos partidos portugueses estavam datados. Por exemplo, o livro PS e a transição para a democracia: relações com os partidos socialistas europeus, de Juliet A. Sablosky, e a obra PPD/PSD – A Consolidação do Regime Democrático, de Maritheresa Frain, foram dados à estampa em 2000 e 1998, respetivamente. Assim também com a obra organizada por Thomas C. Bruneau (com capítulos sobre o CDS-PP, o PCP, o PS e o PSD), Political Parties and Democracy in Portugal: Organizations, Elections, and Public Opinion, a qual foi editada em 1997. Por outro lado, os estudos mais recentes são compêndios gerais mais sobre o sistema de partidos e/ou são obras com perspetivas especificas sobre os partidos, e também já têm alguns anos: Partidos Políticos, Modelos e Realidades em Portugal e na Europa Ocidental, de Farelo Lopes, 2004; Partidos e Democracia em Portugal, 1974-2005, de Carlos Jalali, 2007; Os Partidos Políticos em Portugal – Continuidade e Transformação, de Marco Lisi, 2011. Ou seja, a coletânea em análise veio preencher uma lacuna no panorama editorial português fornecendo histórias atualizadas e aprofundadas sobre os partidos portugueses. Além disso, ao incluir o BE (em menor medida, pois já existiam outros estudos sobre este partido), mas sobretudo ao incluir o PAN e o PEV, temos análises sobre partidos amiúdes subalternizados, se não mesmo ignorados, nos estudos anteriores sobre os partidos portugueses.
2. Estruturas, conteúdos e autores nas breves histórias sobre os partidos
Da autoria de duas doutoras em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho (Elsa Costa e Silva & Mariana Lameiras), professoras e/ou investigadoras desta instituição, temos a Breve História do Bloco de Esquerda. Estruturada em 6 capítulos, esta história aborda a evolução do BE desde a ascensão à esfera do poder, passando pela análise do seu desempenho eleitoral e da relação entre líderes e eleitores, esta história termina com uma reflexão sobre o futuro do bloco.
Na história sobre o CDS-PP, temos historiadores (Ricardo Marchi) e politólogos (André Paris e Filipa Raimundo), mais seniores e mais jovens. Esta história está estruturada em 17 capítulos que vão do nascimento do partido e da democracia portuguesa, passando pelas várias passagens pelo poder, mas também pelas várias depressões eleitorais, sob a batuta dos vários líderes, e perspetivando as suas consequências para as orientações político-doutrinais do partido. Uma reflexão sobre o passado, o presente e o futuro do CDS-PP fecha os capítulos substantivos.
No único volume que inclui duas histórias juntam-se o PEV e o PAN sob a batuta de dois jovens politólogos e uma politóloga, Pedro Silveira, Susana Rogeiro Nina e Luís Humberto Teixeira, cientistas sociais com ancoragem na FCSH, no ISCTE-IUL e no ICS-UL. Como já se disse, este volume reveste-se de especial importância dada a escassez de estudos sobre estes micropartidos, sendo aliás Luís Humberto Teixeira um dos poucos autores académicos que escreveu sobre o PEV: Verdes Anos – História do Ecologismo em Portugal, 2012. Dividido em duas partes, a primeira sobre o PEV, com 7 capítulos, e a segunda sobre o PAN, com 6 capítulos. Em ambas as partes há reflexões sobre a história e as propostas dos partidos, a implantação territorial e o desempenho eleitoral, bem como os respetivos líderes, embora nestes casos seja difícil falar do perfil dos eleitores, dificilmente aferível em sondagens dada a pequenez dos partidos. Uma reflexão sobre a atualidade e o futuro destas forças está também presente.
Joana Reis, doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade Católica Portuguesa, onde também estudou Ciência Política e Relações Internacionais, e jornalista da TVI, é a autora do volume sobre o PCP. Estruturada em 6 capítulos, esta história dá bastante importância à história longa (desde o combate ao Estado Novo), às influências internacionais (de Moscovo) e à ideologia («comunistas até ao fim»), mas dá menos relevo aos eleitores, embora também analise os resultados eleitorais do partido bem como os respetivos líderes.
Pedro Marques Gomes, um historiador do IHC da FCSH, mas também professor na ESCS do IPL, é o autor da história sobre o PS. Estruturado em 10 capítulos, este trabalho dá também importância à história longa, aos combates políticos e ao posicionamento ideológico do partido e dos seus líderes, sem descurar uma análise dos resultados eleitorais. Todavia, tal como no caso anterior, a análise do perfil do eleitorado é menos aprofundada, talvez pela formação do autor.
A história do PSD é escrita pelos politólogos da Universidade de Aveiro e do ICS-UL, Patricia Silva e Tiago Silva, e está estruturada em 14 capítulos. Apesar de também não dar muito relevo ao perfil dos eleitores, sem embargo de escrutinar os resultados eleitorais do partido, este é um dos mais compreensivos estudos da coletânea não apenas pela centralidade dada aos vários níveis de governo (local, nacional e europeu) e à ideologia, mas também por consubstanciar uma das análises empíricas mais desenvolvidas (do ponto de vista pelo menos quantitativo), correlacionado o perfil dos líderes com as orientações ideológico-doutrinais do partido. A reflexão sobre o futuro fecha os capítulos substantivos: «A história não acaba aqui».
- Notas conclusivas
Já me referi à pertinência temática, tal como à oportunidade temporal, desta coletânea que, além do mais, veio preencher uma lacuna na bibliografia anterior sobre os partidos políticos em Portugal, quanto mais não seja pela sua atualização. O contributo multifacetado dos vários autores, com muito diversas extrações profissionais, é também um valor importante a assacar a esta coletânea, sem que tal tenha implicado qualquer perda de rigor (as revisões da literatura existente sobre cada partido são sempre muito exaustivas e rigorosas). Além disso, todos e cada um dos 6 livros apresentam sempre no final uma cronologia dos partidos, uma inventariação dos seus líderes e uma seleção (a cores) do material de propaganda de cada partido, dado que contribui não só para o caracter de obra de referência do conjunto, mas também dá um grande atrativo estético às obras (com muitas e apelativas imagens, da propaganda e não só). A parte talvez menos bem conseguida de coletânea, que poderia e deveria ser melhorada numa eventual segunda edição, diz respeito à menor coerência de temas e de ângulos de abordagem através das 7 histórias em 6 volumes. Nada que não esteja ao alcance dos autores e dos coordenadores.
Originalmente publicado no Jornal de Letras, coluna mensal «heterodoxias políticas», na quinzena iniciada a 1 de janeiro de 2020.
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