14 Out Porquê só no final de 2015 houve o entendimento entre as esquerdas portuguesas?
Foi hoje aprovado o segundo orçamento da solução política que sustenta o XXI governo constitucional: um governo minoritário do PS mas apoiado pela esquerda radical (designação puramente técnica e nada pejorativa) portuguesa, ou seja, pelo BE, PCP e PEV. Um governo minoritário, mas que num fundo é uma espécie de «coligação dissimulada» porque só o PS tem presença ministerial, mas a solução política tem um forte respaldo parlamentar estável, apoiada que está em quatro acordos parlamentares. Para olhar o futuro, é sempre necessário escrutinar-se bem o passado. É este ainda o objeto deste segundo texto para a Vaca Voadora: tentar explicar «Porquê só no final de 2015 houve o entendimento entre as esquerdas portuguesas?»
Quais são então as principais razões para que o governo de esquerdas só tenha chegado no final de 2015? Nove ordens de razões são apresentadas.
Primeiro, as políticas de austeridade na era da terceira intervenção externa em Portugal (2011-2014), muito assimétricas (ou seja, atingindo muito mais o trabalho do que o capital) e, inclusive, muito além do mandato político recebido pela direita em 2011 e muito além do programa inicial da Troika.
Segundo, o forte movimento do PSD para a direita, por vezes ultrapassando o CDS-PP pela direita, e que veio tornar os entendimentos do PS com a direita muito mais difíceis.
Terceiro, as preferências populares (dos eleitores das várias esquerdas), maioritariamente favoráveis a entendimentos, de há vários anos a esta parte, mas que se terão tornado mais salientes no período da crise.
Quarto, as perceções do risco de Pasokização do PS se optasse por alianças com a direita, no seio de muitos dirigentes socialistas, sobretudo o atual líder.
Quinto, a nova liderança do PS, António Costa, o qual no seu exercício como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (2007-2015) tinha já governado em aliança com forças da galáxia da esquerda radical; o efeito liderança terá também funcionado da parte do BE que, num célebre debate televisivo entre António Costa (PS) e Catarina Martins (BE) em 14-9-2015, lançou um cadernos de encargos não maximalista, pragmático e realista, para um entendimento com o PS, e o qual criou uma dinâmica propícia aos entendimentos que terá depois das eleições arrastado também o PCP-PEV para o barco…
Sexto, a situação política e institucional criada, com um PS sem maioria relativa (a qual pertenceu na verdade à coligação pré-eleitoral de direita, PSD e CDS-PP: PàF) e uma maioria absoluta de esquerdas no Parlamento, que veio colocar a recondução da direita no poder nas mãos dos socialistas (e da esquerda radical).
Sétima, a sobrevivência do líder do PS (mas também da direção política do partido, que o acompanhava) estava em causa: ou ia para a solução «governo de esquerdas», para a qual Costa seria o dirigente do PS com melhor perfil, ou saía para dar lugar a outro (mais talhado para soluções de tipo «bloco central»), se a opção fosse por uma aliança com a direita/o centro-direita.
Oitava, as limitações do poder presidencial, no final do seu mandato, impossibilitado de dissolver o parlamento até ao final do seu exercício presidencial.
Nona, uma mudança geracional na direção do PS que se consubstanciou na chegada de novos dirigentes não só já não marcados pelo trauma da transição democrática face à esquerda radical, como desejosos de superar, nas palavras e nos atos, essa divisão histórica entre as esquerdas portuguesas.
carlos serio
Posted at 12:10h, 15 OutubroAfinal o que une, ou melhor, quais as circunstâncias que fazem unir o PCP, O BE e o PS.
O que os une é terem a possibilidade de constituírem uma frente comum contrária às políticas neoliberais, às políticas de empobrecimento das classes populares (trabalhadores e classe média) numa transferência de rendimentos destas classes para os mais ricos, às políticas de redução de salários e pensões e de cortes nas funções sociais do estado (Educação, Saúde e Protecção Social), às políticas que visam uma alteração do modelo social e económico vigente substituindo-o por outro, às políticas de venda ao desbarato do património do estado, às políticas que nas palavras do Papa Francisco criam uma nova ordem, uma nova “economia que mata”.
O que une o PS, BE e PCP é a sua oposição às políticas neoliberais de destruição do estado social, do aumento das desigualdades sociais e das reduções salariais e precariedade no trabalho. E isso basta.
Acontece que antes do governo de Coelho e Portas nenhum outro governo depois do 25 de Abril, de direita ou de esquerda, nenhum deles colocou em causa o estado social. Só este último governo PPD/PP, aproveitando-se da vinda da Troika, tomou como seu primeiro propósito tal objectivo. Sem máscara, Passos Coelho assumiu-o desde o início quando afirmou: “independente daquilo que foi acordado com a UE e o FMI, Portugal tem uma agenda de transformação económica e social. Nesse sentido, o Governo incluiu no seu programa não apenas as orientações que estavam incorporadas no memorando de entendimento como várias outras que, não estando lá, são essenciais para o sucesso desta transformação do país”.
Eu creio que é um feito extraordinário a união da esquerda portuguesa neste objectivo de defesa do estado social e creio também que terá seguramente continuidade por essa Europa fora. Por uma razão simples – o neoliberalismo é uma doutrina falhada, sem qualquer perspectiva de futuro, que conduz ao empobrecimento contínuo e à austeridade perpétua.