31 Mai Os direitos humanos não podem ir de quarentena!
Ante a pandemia que nos tem inquietado globalmente, sem excepção, há um ponto que tem de se vincar – é que esta não pode ser “almofada” para os abusos aos direitos humanos, nomeadamente os que se referem ao trabalho. Nem tão pouco o progresso da humanidade pode ser sujeito a “cercos sanitários”!
Na região Autónoma da Madeira (RAM) por exemplo (menciono-a no caso, por ser a realidade que de momento me é mais próxima, ressalvando no entanto que é bem possível que seja extrapolável ao resto do país) mais do que a componente clínica da Covid, assiste-se ao tempo do lay-off que – oficialmente! – atinge cerca de 150 mil pessoas trabalhadoras na RAM.
O alcance social, económico e político desta pandemia é de si inerentemente preocupante, mas quando se equaciona que em causa estão dinheiros públicos e que pairam dúvidas e incertezas sobre quem se candidatou e tem beneficiado dos mesmos, para mais quando os próprios governantes não facilitam a informação pública devida, essas preocupações avolumam-se . Para mais quando pairam no ar suspeições de fraude e abuso por parte de alguns agentes empresariais com a conivência governamental.
Ou como se explicaria de outro modo que alguns empresários, tendo recorrido ao lay-off, continuem a sujeitar os seus empregados a um trabalho ordinário?- quando nesta circunstância nenhum patrão tem qualquer “autoridade laboral” sobre o funcionário e, portanto, não tem lhe dirigir qualquer ordem ou instrução?! Ou que recorrendo ao mesmo, alegando dificuldades financeiras, comprem, porém, ações de outras empresas? Menciona-se, a exemplo, o divulgado pela Comunicação Social de um empresário dos cruzeiros do Douro que investiu em ações da TVI, quando concomitantemente dispensou uns tantos trabalhadores; mas também há casos de empregadores que desempregam os funcionários mas recorrem na mesma ao lay-off; e há ainda outros que fecharam as empresas no início do confinamento sem comunicar nada aos seus trabalhadores ou obrigando-os a tirar férias ou impondo-lhes unilateralmente a dívida de dias ao serviço ou não lhes pagando o salário de Março ou … tantas outras situações que apenas subjugaram quem trabalha para patrões que lucram avultadamente à custa da precariedade laboral a que sujeitam os seus próprios empregados. E neste contexto não é possível ignorar as grandes empresas com sede fiscal no estrangeiro mas que nestes tempos recorrem à subsidiação do Estado português, à mesma que condenam quando é atribuída aos desempregados, aos incapacitados para o trabalho, aos doentes e demais legítimos beneficiários sociais. À mesma que é tão só suportada pelos descontos de quem trabalha! Sim, porque são sempre e sobretudo os contribuintes a pagar esta factura! Já muitos dos empresários devedores são bafejados reiteradamente por prescrições de dívidas à segurança social, já para não falar de outros tantos que escondem os lucros para poderem beneficiar por estes tempos da modalidade do lay-off. E este dinheiro, o do lay-off, há que relembrar: não é dinheiro das entidades governamentais, é dinheiro dos descontos dos trabalhadores para a segurança social e portanto nem patrões nem o governo lhes estão a dar seja o que for ou a fazer qualquer favor nestes tempos de crise.
Far-se-á ideia – para além dos directamente afectados – do quanto estas situações marcam a vida de milhares de pessoas e respectivas famílias? Não é difícil o alcance da situação: é imaginar-se a auferir em torno de 600 euros mensais mais o montante similar do conjugue, sujeitos ambos a lay-off e com a subtração do orçamento familiar que pode chegar a um total de 300 ou 500 euros. E sem que as despesas com a habitação, com a alimentação e com a saúde e educação sejam aligeiradas – e quem vier alegar a questão das moratórias que se inteire da quantidade de famílias a quem nestas circunstâncias continuam a ser cobradas as prestações da casa. (chegam a envergonhar os trâmites burocráticos e diligenciais para tal “beneficio” que na verdade é um crédito que se pagará a alto custo no futuro…).
Estas situações têm incidido de um modo geral sobre todos os sectores (exceptuando o público e porventura o sector da construção, ao que se saiba) mas na RAM sobretudo no turístico, o marco monocultural da economia madeirense (representa cerca de 25% do PIB regional). E as monoculturas, historicamente, já comprovaram que não são uma solução económica viável a longo prazo e que tendem a, mais cedo ou mais tarde, ruir invariavelmente, com um desfecho de dramas e misérias sociais, e paralisação da economia. Na Madeira, concretamente, há a memória dos exemplos passados das monoculturas do Açúcar, dos Cereais, do Vinho…tão bem evidenciadas no livro do historiador Rui Nepomuceno “Monoculturas e crises de subsistência”.
Mas é também facto indignante que perante a presente crise socioeconómica o Conselho Social e Económico Regional, que se mobilizou recentemente para reuniões e resoluções, no respectivo relatório não conste uma única linha de apoio directo aos trabalhadores madeirenses! Mencionam-se apenas os apoios aos empregadores (referidos como os únicos impulsionadores da economia- que seria dos instrumentos de trabalho do patronato se não houvesse a venda da força e capacidade de trabalhado dos trabalhadores?!). E não deixa de ser ironicamente triste que pelo menos uma das vozes deste Conselho se intitule de socialista…convertendo este documento numa medida de propaganda que tem tudo de económica e nada de social – aliás que mais seria de esperar de um Conselho que “cozinhou” o vergonho montante do aumento do salário mínimo e as últimas alterações ao código de trabalho? Mas do facto de um trabalhador levar para casa apenas uma percentagem daquilo que ele mesmo produz bem inferior à do patrão (numa relação de cerca de 30% para 60%, respectivamente) não há qualquer menção ou proposta de reavaliação…
E tudo isto quando é imperativo que se valorize urgentemente a capacidade de produção da RAM, que é limitada, como mote essencial para a sustentabilidade e soberania regionais. E quando a extensão da actual crise justificam uma aprofundada abordagem institucional e governamental deste problema que é sem dúvida económico, mas sobretudo social.
(Imagem: Monumento ao Trabalhador Madeirense, Funchal)
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