Os agentes culturais também [e facilmente] se abatem!

Os agentes culturais também [e facilmente] se abatem!

[‘A cultura é tudo o que resta depois de se ter esquecido tudo o que se aprendeu’*]. Afinal, quem é que em tempos de coronavírus se interessa genuinamente pelos equipamentos culturais, pelos artistas e criadores, pelo impacto da pandemia nas artes do espetáculo? As artes são instrumentos para a felicidade, são algo de estrutural na existência humana e devem ser consideradas necessidades imprescindíveis. O mercado cultural, da criação à interpretação, em Portugal e no mundo, é um dos setores mais massacrados pela pandemia. Quando a vida parece absurda são muitos os apelos, por parte de artistas de todas as áreas e linguagens que chamam a atenção para as repercussões obscenas que a crise está a provocar. Os protestos enfatizam que a situação presente atinge de forma particularmente vexatória os agentes envolvidos em atividades cuja essência reside na plateia [o futuro não pode passar exclusivamente pelo online], pondo em causa a sobrevivência de um sem-fim de pequenas estruturas e, particularmente, de profissionais que operam em regime freelancer, trabalhando à peça, frequentemente em condições vergonhosamente precárias. E sim, existem artistas que passam fome.

Há poucos dias alguém me dizia que não compreendia a minha preocupação com ‘essas coisas’ quando o que importa nestes tempos em que a miséria sai à rua todos os dias é garantir o básico às populações e que o essencial não passa por pensar o cinema, a dança, a fotografia, a literatura, a música, o teatro, as galerias de arte. Este alguém não está só nesse desabafo, nessa pobreza de espirito e nesse preconceito. E no menorizar as artes [e humanidades] reside uma das grandes falhas político-sociais. A cultura [ainda] assusta.

E [também] se em vez de discursos florido-institucionais e para que a arte não deixe de existir:
_ Poupássemos os agentes culturais do inferno burocrático e tributário?
_ Criássemos condições para assegurar a subsistência de todos aqueles (e são muitos) que ficaram impossibilitados de exercer a profissão no sector das artes performativas através de fundos não concursais que pudessem chegar de FORMA CÉLERE a quem deles necessita. E que se mantivessem esses fundos enquanto não existir outra forma de garantir o regresso à atividade em condições dignas?

E se:
_ [de vez] Investíssemos na educação mostrando a importância que a arte tem na vida de todos? [através dessa educação talvez nascesse o respeito que tantas vezes falta por todos os que batalham pelas artes, e desse respeito nascesse a valorização devida].

E se:
_ O Governo e as autarquias ouvissem [a sério] os agentes culturais [são muitos os que não são escutados] e atuassem em conformidade?

Escrevia Natália Correia ‘[…] Ó subalimentados do sonho! /A poesia é para comer.’**
______ Pois, mas não é prioritária. Nunca o é. Existe sempre um pretexto para não o ser.

* Frase da escritora sueca e Nobel da Literatura, Selma Lagerlöf.
** Em “A defesa do poeta”.
📷 “Boudoir – 7 Diálogos Libertinos”, criação de Martim Pedroso & Nova Companhia.

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Luís de Ascensão Correia Galego
luis.galego@defesa.pt

Quadro Superior do Estado. Estudou História, Sociologia e Direito - Ciências Jurídico-Políticas, em diferentes graus académicos. Interesses: artes do espetáculo/literatura/short stories/ poesia/artes plásticas/ tertúlias/britcom/viagens/património/história da cultura e das civilizações/história das artes e da língua/sociologia da cultura/direitos humanos.

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