«O tipo de respostas do populismo – continuação de um texto de André Freire» – VV 2.0 – Emprestada a Eduardo Tomé

«O tipo de respostas do populismo – continuação de um texto de André Freire» – VV 2.0 – Emprestada a Eduardo Tomé

Hoje, como noutras ocasiões já fizemos no passado, emprestamos a Vaca Voadora (VV) 2.0 para que um nosso convidado, o Professor Eduardo Tomé, autor e único responsável do texto que se segue sobre « O tipo de respostas do populismo – continuação de um texto de André Freire » (exceto no caso da imagem, cuja fonte é o sítio da internet «Our Politics Net»), possa voar neste herbívoro alado:

«Num artigo recentemente publicado (1), o eminente politólogo André Freire, conclui que “ o problema dos populismos, sobretudo os de pendor direitista radical, não são os diagnósticos que fazem, é o tipo de respostas que propõem”. Neste texto procura-se analisar essas respostas partindo das matrizes conceptuais definidas por André Freire no referido artigo. Ou seja, o populismo parece ancorar-se numa tradição de pensamento liberal. E essa ideia que vamos analisar.

Em primeiro lugar devemos fazer uma nota histórica – André Freire refere as revoluções americana de 1776 e francesa de 1789 como fontes do pensamento liberal. Certamente, mas não será demais lembrar que 1776 foi o ano da publicação da volumosa e fundamental obra “Riqueza das Nações” de Adam Smith (2), na qual os princípios do liberalismo económico e social são enunciados. E quais são esses princípios – laissez faire; ou seja intervenção mínima do Estado na esfera económica, acreditando-se que pela “mão invisível” do mercado os agentes económicos assegurarão um máximo de bem estar social; a nível social o laissez faire originou o chamado Estado Liberal (3), em que a intervenção do Estado é residual e em que o sector privado assegura o fundamental das respostas sociais; laissez passer ou seja livre comércio entre países para garantir os ganhos da especialização económica.

Em segundo lugar interessa analisar as “respostas” da direita populista de acordo com os princípios de Adam Smith. E é aqui que a surpresa é grande.

Por um lado, em termos económicos, a direita populista defende controle dos movimentos, muros, proteccionismo e “American First”, o que está na antítese do pensamento de Adam Smith e da essência do liberalismo. Os modelos liberais defendem, e há muito boas razões para que se considere que estão maioritariamente certos, que a livre circulação de bens faz diminuir o preço internacional e aumentar a qualidade, beneficiando os consumidores; a questão subjacente é como repartir os ganhos e isso tem com as condições prévias ao comércio e não com o comércio em si; todo o investimento e educação, formação e informação que os países fazem intende transformar zonas que exportam bens e serviços de baixo valor acrescentado em bens e serviços de alto valor acrescentado; sem comércio livre as sociedades não conseguem tirar partido desses investimentos mais ainda, uma tarifa gera naturalmente uma retaliação e uma escalada que origina o fim das trocas com perdas para todos; continuando, tarifas que protegem empresas nacionais (American First), levam geralmente a produtos de pior qualidade, produção cara ei ineficiente; finalmente, um muro (como o célebre Muro de Trump) ou mesmo medidas de controle de emigração e fronteiras como as do “liberal” Boris Johnson, prejudicam a economia e a sociedade em geral – os economistas acreditam e um economista liberal deve acreditar ainda mais do que os outros, que os mercados resolvem por si a questão do equilíbrio entre oferta e procura de trabalho, e que boas condições atraem estrangeiros, mas más condições fazem com que eles deixem de vir e até que os nacionais procurem outras paragens: neste ponto, a evolução do mercado de trabalho em Portugal nos últimos 30 anos é exemplar com uma atracção de  estrangeiros durante a década de 90 do século passado, uma paragem na primeira década deste século, uma debandada no tempo da Troika e um retorno desde 2015 até á pandemia. Economicamente, a resposta do controle não passa o teste dos factos. E por fim, Adam Smith, acreditava numa economia de pequenos negócios, atomísticos, muito eficientes, de acordo com o chamado “modelo de concorrência perfeita”, Ora quando se houve dizer que um populista, como Trump, se alia aos bilionários, isso não faz sentido para um liberal. Figurativamente diríamos que um liberal  (como Adam Smith) defende os peixinhos do aquário, Trump aliou-se aos tubarões que Adam Smith nem sequer admitia que deviam existir.

Por outro lado, em termos sociais, e da organização do Estado Social é importante salientar que o liberalismo é apenas uma das filosofias que podem orientar a construção desse mesmo estado (3), outras sendo, por exemplo, o conservadorismo, o keynesianismo, o marxismo (4) e as correntes críticas mais recentes (5,6,7 e 8). Ou seja a forma de resposta liberal, que foi originada pelas análises de Adam Smith, foi primeiramente contestada por Karl Marx originando o Estado Socialista que vigorou no Leste da Europa antes da Queda do Muro de Berlim, e depois por Bismark e a Doutrina Social da Igreja que criaram a primeira “terceira via”, baseada no consenso, no diálogo, na tradição e na subsidiariedade e justiça comutativa; só mais tarde apareceu a Social-Democracia baseada em Keynes e na justiça redistributiva; finalmente desde os anos 70, quando o Estado Providência tradicional entrou em crise, tornaram-se importantes análises criticas sobre as estruturas sociais, a educação. o ambiente e a igualdade de género. Crucialmente, todas estas análises pugnam pela construção do Estado Social como modo de solucionar os problemas sociais; apenas o modo (Welfare Mix) como esses problemas sociais podem ser resolvidos varia de uma ideologia para a outra.

Ora, muito curiosamente os mesmos que economicamente defendem os muros, quando o liberalismo defende a liberdade, socialmente defendem a ausência ou o desmantelamento quando um liberal defende a acção. Isto sucedeu quando por exemplo Trump quis desmantelar o sistema de saúde Obama Care e percebeu que afinal de contas a situação era muito mais complicada do que se supunha; e acontece em Portugal quando um partido defende a extinção do Ministério da Educação e a redução do papel do Estado apenas á prossecução das funções básicas de defesa e segurança; nenhum ideólogo ou político liberal chega a estes extremos porque sabe que isso significa uma demissão e que os problemas não desaparecem apenas porque os não enfrentamos.

Em síntese, ao tentarem resolver as questões económicas colocando obstáculos que tendencialmente prejudicam  a economia, e ao tentarem resolver as questões socais pela inação, que nunca resolve nenhum problema social, os populistas não apenas são demagógicos como também vão contra as ideias liberais que defendem no primeiro caso a liberdade e no segundo caso uma iniciativa privada de primeira qualidade e alto nível.

Tenho dito J !

Eduardo Tomé, Economista

  • Freire, A (2021) Democracias impopulares e vagas populistas, Jornal de Letras, 27 de Janeiro a 9 de Fevereiro, págs 30-1.
  • Smith, Adam. A Riqueza das Nações. Trad. de Luís Cristóvão de Aguiar, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 4a ed., 2006. ISBN 972-31-0610-8 (texto integral).
  • Esping-Andersen, Gøsta (1990). The three worlds of welfare capitalism. Princeton, New Jersey: Princeton University Press. ISBN9780069028573.
  • Bob Deacon (2000) Eastern European welfare states: the impact of the politics of globalization. Journal of European Social Policy Volume: 10 issue: 2, page(s): 146-161
  • Michel Foucault Surveiller et punir. Naissance de la prison, Paris, Gallimard, 1975, 328.
  • Ivan Illich Une société sans école (en), Seuil, 1971 (titre original : Deschooling Societ
  • Joel de Rosnay – Le Macroscope (1975).
  • Simone de Beauvoir, ‘’Le Deuxième Sexe’’, tomes I et II, éd. Gallimard, 1949, 400p. (ISBN 978-2-07-020513-4) et 588 p. (ISBN 978-2-07-020513-4).»
André Freire
andre.freire@meo.pt

Professor Catedrático em Ciência Política. Foi diretor da Licenciatura em Ciência Política do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (2009-2015). É desde 2015 diretor do Doutoramento em Ciência Política do ISCTE-IUL. Investigador Sénior do CIES-IUL. Autor de numerosas publicações em livros e revistas académicas. Perito e consultor convidado de várias instituições nacionais e internacionais.

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