28 Nov «O Punho», em homenagem a Bernardo Santareno & Fernanda Lapa
No centenário do nascimento do (médico e) dramaturgo Bernardo Santareno, a Escola de Mulheres leva à cena, desde 19 de novembro de 2020, a última peça do escritor (1980), publicada postumamente (1987), em versão cénica de Fernanda Lapa, falecida recentemente (Verão de 2020), e sob direção artística (encenação, suponho) de Marta Lapa e Ruy Malheiro.
Sobretudo nesta versão cénica de Fernanda Lapa, esta peça foca-se na Reforma Agrária no Alentejo, antes (no início da transição democrática), durante (período da ocupação de terras e da fundação das famosas UCPs – Unidades Coletivas de Produção, fruto da expropriação de terras aos latifundiários) e depois da dita (com o refluxo na ocupação de terras e num certo regresso ao status quo ante, no que à posse da terra diz respeito), mas centrada em duas figuras femininas, a latifundiária, Dona Mafalda (protagonizada por Maria d’Aires), e a sua criada pessoal, Maria do Sacramento (protagonizada por Margarida Cardeal). Há ainda outras personagens presentes, nomeadamente o filho e o marido da latifundiária, e outras ausentes, o marido (obrigado a emigrar para França porque o dono das terras lhe recusou trabalho) e o filho (morrido na guerra colonial, ao contrário do filho da latifundiária que foi isentado de ir à guerra por influência política do pai) de Maria do Sacramento, além de vários operários agrícolas revoltosos (muitos deles ligados ao PCP). Há ainda um coro trágico (ao estilo da tragédia grega) e um narrador, que introduz os temas, os quais pontuam o enquadramento, evolução da peça, bem como dão orientações às personagens quanto ao curso desejável da trama da obra (ao estilo da tragédia grega).
A homenagem a Bernardo Santareno é óbvia, não vale a pena elaborar sobre isso. A homenagem a Fernanda Lapa tem pelo menos uma tripla dimensão. Primeiro, por ser a última versão cénica da encenadora, no ano da sua morte. Segundo, pelo tema e pela sua relevância, dado o conhecido empenhamento político da Fernanda Lapa. E, finalmente mas não menos importante, pela centragem da trama da peça nas duas mulheres, dado o empenhamento feminista da Fernanda Lapa e da Escola de Mulheres. Através delas, nas excelentes interpretações de Maria d’Aires e de Margarida Cardeal!, a trama da peça e a perspetivação da Reforma Agrária é vista através do cruzamento das duas personagens femininas, não apenas dos antagonismos de classe, mas também do ponto de vista das cumplicidades, nomeadamente femininas, e dos antagonismos e cumplicidades pessoais, numa trama eivada de conotações políticas, mas também de uma profunda humanidade e sem maniqueísmos. A música é de Janita Salomé. O Magnifico «espaço cénico», onde avultam as espigas de trigo que caem do teto sobre o palco como estalactites, é da autoria de Fernanda Lapa, Marta Lapa e Ruy Malheiros.
Uma magnifica peça teatral, de um grande dramaturgo português, e em versão cénica de uma gigante do teatro português, recentemente falecida, sobre um tema chave e pouco discutido da história recente da democracia portuguesa. Rigorosamente a não perder!
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