O ponto de vista de Varoufakis sobre o euro a partir do hotel Califórnia

O ponto de vista de Varoufakis sobre o euro a partir do hotel Califórnia

Ao escolher a epígrafe, Os mais fracos fazem o que devem, para o seu último trabalho, Os mais fracos são os que sofrem mais?, Varoufakis refere-nos que se inspirou numa passagem do diálogo dos Mélios – Os mais fortes fazem o que podem, enquanto os mais fracos fazem o que devem, da  História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides. E quase podia ficar por aqui, não fosse ele afirmar que quem entra no euro é como se entrasse no célebre tema dos Eagles, hotel Califórnia, onde se entra mas de onde não se sai.

Além da grande desenvoltura da sua escrita, recheada aqui e ali de uma forte dose de ironia, e da evidência histórica com que fundamenta a análise,  para o que interessa a esta solução governativa e aos obstáculos que enfrenta com a dívida e o serviço da dívida, Varoufakis passa em revista neste livro a história da construção do euro, desde que nos anos 60 do século passado, De Gaulle procurou e insistiu junto do chanceler Ludwig Erhardt, aproveitando-se da fragilidade em que a Alemanha ainda se encontrava, para criar uma moeda única franco-germânica de maneira a prevenir a potencial influência do marco alemão sobre a economia e a política europeias, numa altura em que a França, na qualidade de um dos vencedores da II Guerra Mundial, ainda dominava politicamente a Europa. A saga continuou com Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt, Mitterrand e Helmut Kohl, até chegarmos ao ano da criação da zona euro, 2000, e da respectiva moeda. No back stage,  a administração americana nunca deixou de combater os avanços dos franceses e proteger as recuos do todo poderoso Bundesbank, para  evitar a criação de uma moeda que competisse com o dólar. Foram, assim, quarenta anos de tentativas e muitos erros, de discussões sobre taxas de juro e de câmbio, de acentuadas flutuações das moedas, de valores da inflação preocupantes, de paragem e aceleração das máquinas de produzir moeda, de superavits e défices, de recuos e avanços económicos, até se chegar a uma solução que, na altura, satisfazia Berlim, simultaneamente  acelerador e travão da União Europeia. Tratava-se de enterrar, de uma vez por todas, os New Dealers e Bretton Woods. Resumidamente, o que estava em causa era introduzir previsibilidade na política cambial das moedas europeias e criar  um bom argumento para a Alemanha continuar a vender os seus Volkswagen aos franceses, a preço garantido.

Mas o que porventura sintetiza a obra de Varoufakis e mais interessa para os tempos que se estão a viver é uma passagem do Relatório Werner, de 1970, por ele citada, premonitória do que se viria a verificar quarenta anos depois: “É um erro perigoso acreditar que a união monetária e económica pode preceder a união política, ou que pode agir como uma alavanca de desenvolvimento de uma união política que, no longo prazo, não poderá em todo o caso prescindir daquela” (pág. 149). Era a passagem de “We the states…” para a fórmula “We the people…” E, acrescenta Varoufakis, se não foram dados os passos quando tinham de ser dados, a crise de 2010 representou uma oportunidade para corrigir os erros do passado, no sentido de se iniciar o processo da união política. Nestes últimos seis anos tudo, entretanto, se tornou mais difícil e complexo. A União Europeia passou a carecer de unidade democrática, e o euro de equidade. É o labirinto perfeito.

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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