O PCP às voltas com a Europa

Ao jogar no soberanismo, vigente de forma primária na sociedade, o PCP capitaliza conjunturalmente, é verdade, um sentimento prevalecente, mas dificulta depois a formação de alianças e, sobretudo, não demonstra as supostas vantagens para o país em tal cartada.

O PCP às voltas com a Europa

O essencial do Congresso do PCP é que apoiou, sem brecha, a solução vigente de governo. Sendo de saudar, pois, a posição que o congresso sufragou, ficam interrogações sobre a visão de futuro que o PCP enunciou. Na verdade, a conexão da táctica com a estratégia merece curiosidade, para perceber se a solução de governo, ora aceite, pode ou não vir a ser instrumental, do lado do PCP, para uma longa caminhada, em convergência.

É transparente o PCP no curto prazo: afastar a direita do poder e alcançar concessões a favor dos trabalhadores, mais de natureza economista (diversas do que serão medidas transformadoras).

Pode imaginar-se que a falta de clarificação é tacto político, não fosse alguém assustar-se com o ruído de referências ao processo de transformação. Infelizmente, não será essa a explicação, mas antes uma insuficiência de elaboração.

Na questão europeia, por exemplo, a posição do PCP dá azo a confusões com o nacionalismo que por aí grassa soprado pela direita radical. A insensibilidade vai ao ponto de dirigentes do PCP chamarem a terreiro a retórica chauvinista dos “9 séculos de história” (intervenção de Vasco Cardoso, da Comissão Política). O PCP joga o futuro no regresso à moeda própria, à sua consequente desvalorização, ao aumento de juros e proteccionismo.

O PCP afirma que o país não se desembrulha dentro de uma UE capitalista e a saída estaria em saltar para fora do euro e alcançarem-se “rupturas articuladas” (Jerónimo de Sousa, discurso de abertura ao Congresso) na Europa. Mas, então, perguntar-se-a: articular rupturas, incluindo em base multinacional, não é o que o movimento comunista tem feito desde a sua origem em 1848? E o que é que articular rupturas tem a ver com a necessidade de primeiro voltar ao proteccionismo, à moeda própria e depois fazer das ruínas da UE outra coisa? Articular rupturas é o que a esquerda deve continuar a fazer para construir um mundo alternativo onde se ponha cobro às iniquidades do presente. Ao jogar no soberanismo, vigente de forma primária na sociedade, o PCP capitaliza, é verdade, um sentimento prevalecente, mas dificulta depois a formação de alianças e, sobretudo, não demonstra as supostas vantagens para o país em tal cartada. E não poderia ser de outro modo, uma vez que uma moeda não é uma COISA dotada de vontade própria. A moeda traduz uma relação social subjacente e é sobre esta que deve incidir a acção transformadora dos homens. Sem dúvida que as relações sociais na Europa estão mal, muito mal. Ora, o que importa é unir esforços para mudar essas relações injustas e não andar a fazer voz com sentimentos primários que os tempos mostram estar a facilitar os novíssimos jogos do capitalismo.

 

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Paulo Fidalgo
paulofidalgo@inbox.com

Actividade profissional: médico gastrenterologista. Posição anterior: Chefe de Serviço no IPO de Lisboa. Posição actual: gastrenterologista na Fundação Champalimaud. Actividade associativa desde a associação de estudantes de Medicina, Sindicato dos Médicos e Ordem dos Médicos. Acção política em movimentos de esquerda

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