14 Mar O off de Paulo Núncio
A partir da altura em que o Secretário de Estado das Finanças do governo de Passos Coelho se viu encurralado no caso do movimento de capitais para os offshores, tomou a decisão que supostamente iria causar menos danos colaterais: assumir a responsabilidade política pelo caso e demitir-se dos cargos que exercia no CDS. Com essas decisões sacrificiais deve ter imaginado um cenário em que salvaguardava Maria Luís Albuquerque, Passos Coelho, Assunção Cristas e o seu partido das consequências políticas do acontecimento. Concentrando em nele o odioso da ocorrência, a direita ficaria liberta para continuar a investir nas duas comissões de inquérito, à CGD e ao processo de contratação de António Domingues, e por essa via continuar a insistir na criação de uma crise política que levasse o Presidente da República a dissolver o Parlamento.
A manobra não estava mal pensada não fosse a circunstância de não conseguir cobrir todas as pontas soltas que entretanto começaram a emergir logo que se começaram a fazer as perguntas certas. Desde o conflito de interesses na altura da sua escolha para o cargo político – no seu currículo de advogado fiscalista tem as sociedades Morais Leitão, Galvão Teles & Associados (MLGTS) e Garrigues & Associados, desde 2007 até à entrada no Governo. Na primeira, esteve ligado ao ramo do escritório para o offshore da Madeira, sendo representante da MLGTS Madeira Management & Investment SA(link is external), tendo esta sociedade sido apontada no livro Suite 605 como a criadora de um grupo de 112 sociedades com o mesmo nome, operação de clonagem que levou a investigações judiciais com origem em Itália. Antes das eleições de 2011, foi chamado por Paulo Portas para as reuniões com a troika, na altura apresentadas como “negociações” -, o conhecimento das omissões verificadas na transferência de capitais para o offshore do Panamá, uma das principais lavandarias mundiais de dinheiro, até à ligação do caso com o escândalo do BES e a associação com algumas das principais figuras do mundo empresarial e político.
Bem vistas as coisas, este episódio dos offshores é só mais uma peça dos movimentos ilegais ou de duvidosa legalidade de capitais, realizados por uma coligação entre o mundo empresarial e o mundo da política que durante anos se movimentou com toda a impunidade, alimentando os mais obscuros interesses privados, promovendo os mais inconfessáveis estatutos individuais e lesando os interesses da economia nacional.
Esta, sim, pode constituir a peça que faltava para desvendar a totalidade da promiscuidade e todas as ramificações entre o mundo financeiro e os governos anteriores, configurando a existência de um complexo político-financeiro â margem do escrutínio democrático. Merece, por isso, uma comissão de inquérito com capacidade, competência e poderes para investigar todos os subterrâneos deste conluio. É preciso puxar pela língua de quem, directa ou indirectamente, teve ligações ou beneficiou com esta fábrica de escândalos. Ter as mãos limpas e continuar com elas imaculadas ao longo do exercício de cargos políticos, sem tergiversações, é tão exigível como cumprir o contrato eleitoral de quem se candidata a funções governativas. Será por aí, pela lealdade constante para com os eleitores, que os valores da democracia se enraízam e se elevam à categoria de cultura democrática. Pela sua natureza, este governo e esta maioria parlamentar têm particulares responsabilidades em promover esta cultura.
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