O mito centrista da abstinência sexual

O mito centrista da abstinência sexual

Se há assunto que é transversal às comunidades locais, sejam de base populacional ou institucional, é a educação para a saúde. Embora seja prioritariamente dirigida à população infantil e juvenil, a educação permanente para a saúde é uma medida das políticas de saúde cujo exercício deveria estar sempre presente, seja nas escolas, nos locais de trabalho, na actividade das autarquias, em qualquer organização que junte pessoas. Incluindo a aprendizagem e a aquisição de valores, a sua presença nos processos de socialização contribui para a diminuição das iniquidades sociais ao garantir a todos  um instrumento cognitivo para fazer as melhores escolhas no plano  da manutenção da saúde, esse bem cuja boa distribuição é o principal responsável pelo acesso aos melhores níveis de bem-estar colectivos.

Quando a organização da juventude do CDS defende que “sejam ensinadas nas escolas as vantagens da abstinência do sexo”, está a referir-se inequivocamente a um assunto do domínio da educação para a saúde. A sexualidade está tão presente nos jovens como nos adultos, embora naqueles esteja ainda condicionada pelo estatuto que os jovens ocupam na família e na sociedade e pelo valor simbólico que ainda goza em certos segmentos sociais. Do ponto de vista fisiológico, a pulsão sexual está intimamente associada com o processo de maturação biopsicológica, cuja variabilidade e manifestações, mesmo nas populações mais homogéneas,  está fortemente condicionada pelas condições de vida e o contexto cultural. Daí que a expressão da sexualidade no grupo etário a que a juventude do CDS está a referir-se, se não se manifestar, e sobretudo se for reprimida, seja com  fundamentos ideológicos, religiosos ou preconceituosos, as consequências serão sempre prejudiciais para o seu desempenho social e relacional.

Ensinar as vantagens da abstinência do sexo não é, por isso, um valor, é o reverso do valor que deve ser promovido, a liberdade sexual, a qual, inclui a liberdade da abstinência sexual. Porque a crítica ao que a juventude do CDS defende não está tanto na escolha que faz mas suas equívocas vantagens. Sendo um período do ciclo de vida particularmente vulnerável a oscilações, sobretudo no plano da  avaliação das escolhas que as tornem num investimento com retorno positivo, todas as entorses comportamentais, adquiridas ou impostas nesta altura, têm efeitos perversos no percurso de vida de cada um. A propósito dos riscos, que não devem ser iludidos – doenças sexualmente transmissíveis e gravidez adolescente -, mas que podem ser prevenidos com a informação e o conhecimento disponíveis, fazer da abstinência sexual uma vantagem também neste domínio, é criar a ilusão de que no aparelho génito-urinário uma parte deve estar resguardada da sua função, como se fosse uma espécie de talher que só deve ser utilizado em ocasiões especiais, por exemplo, quando estiver em jogo a descendência. Porém, mau grado o que a juventude do CDS gostaria que fosse ensinado, o ensino laico e republicano atende exclusivamente o bem comum, e dele está excluída a abstinência sexual.

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Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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