O DOIS MIL E VINTE E TRÊS

O DOIS MIL E VINTE E TRÊS

Desde o centro-direita à extrema-direita, as várias direitas portuguesas vivem uma situação política tão confrangedora que se não fossem os que na comunicação social vão dizendo alguma coisa parecido com tomadas de posição políticas, não se deva conta que elas existissem. Assim, há sempre um Paulo Portas e um Marques Mendes, cada um há sua maneira e com o seu estilo, vão balizando todos aqueles que nas várias plataformas se esforçam por dar sinal seja do  PSD, do CHEGA ou da Iniciativa Liberal. O definhamento destas correntes políticas nestes últimos cinco anos deve-se em grande parte à passagem de Passos Coelho pelo governo e o seu programa de governo, que até a troika ficou surpreendida, mas também, e sobretudo, por algumas lições que as esquerdas retiraram  durante as duas últimas legislaturas. A primeira lição foi dedicada ao que foi aprendido entre 2011-2015. Sabia-se que a austeridade imposta aos países do sul da Europa não podia durar sempre, sob pena de a UE se desfazer e balcanizar-se. É com Mário Draghi, ao abrir os cordões à bolsa, que se inicia a retoma económica dos países mais endividados e se alivia o sufoco em que aquelas populações viviam. Não fosse o golpe de asa de António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, e a situação portuguesa era certamente outra. Portanto, a palavra-chave desse período foi convergência. A qual resultou na formação de um governo com o apoio dos partidos de que aquelas personalidades são  líderes.  

Pode-se dizer que o tempo foi curto para se ir mais além. Mas o que ficou feito resultou no desejo de que a solução ensaiada continuasse. Ainda hoje há muitos cidadãos que fazem  daquele período um exemplo de como se pode governar com o engenho suficiente para apagar velhos fantasmas e tornar mais tolerável a vida das pessoas. A solução política não se repetiu em 2019 porque enredos político-partidários vindos de várias direcções tornaram inviável a retoma dessa convergência. Isso resultou na constituição de um governo que tem andado aos baldões, e da acção de um Presidente da República avesso a mar alteroso. Mas também de um oposição de esquerda que sabe o preço da queda do governo por sua responsabilidade. O resultado, até ao momento, tem sido a tomada de decisões desgarradas em que a hábil retórica do primeiro-ministro tem conseguido fazer dessas medidas realizações  maiores da sua governação. O exemplo mais descarado deste tipo de actuação política foi a aprovação da Lei de Bases da Saúde, em que o governo se opôs tenazmente desde que a iniciativa foi lançada por um grupo cidadãos, até ao momento em que percebeu que os custos políticos seriam bastante elevados se continuasse naquele registo, dada a mobilização que se verificou em torno da matéria. No final tomou para si os louros da aprovação da Lei, dando-a como exemplo da sua governação à esquerda, uma vez que toda a direita se opôs ao diploma. Este episódio é ilustrativo da importância da mobilização e iniciativa dos cidadãos em torno de medidas que o PS, dada a sua natureza política, é frequentemente avesso a tomá-las. 

Dentro de pouco mais de dois anos há eleições legislativas. Se a direita se apresentar no estado em que actualmente se encontra, podemos vir a ter uma repetição dos resultados de 2019, com um PS vencedor das eleições mas sem o número de deputados suficientes para poder governar a seu bel-prazer. É, por isso altura de PS,BE e PCP encontrarem uma solução política suficientemente consistente e previsível para 2023. Argumenta-se frequentemente que ainda muita coisa pode acontecer, que as contingências são muitas e que certas exigências são impraticáveis. É também por isso que, já com o mandato praticamente a meio, se deve dar início à exploração de entendimentos. A última hora raramente é uma boa hora. Aconteceu em 2015 pelas razões que todos conhecemos. Em 2023 o que deve acontecer  é um encontro de vontades políticas, conscientes do muito que há para explorar e também do contexto em que essa exploração pode ser realizada. 

 

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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