O caso da TSU: O regresso (em força) da ala direita no PS?

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O caso da TSU: O regresso (em força) da ala direita no PS?

O decreto-lei (aprovado pelo PR em tempo recorde) que converteu em legislação a moeda de troca que, em sede de concertação social, o governo (minoritário) do PS, apoiado no Parlamento pela esquerda radical (BE, PCP e PEV), ofereceu aos patrões (e aos seus aliados da UGT) para subirem o salário mínimo nacional (SMN), a descida de 1,25% na TSU (Taxa Social Única) dos patrões, vai hoje a apreciação parlamentar. Na Assembleia da República, a medida deverá ser chumbada com os votos contra do BE, PCP, PEV e PSD.

Porque é que, do ponto de vista das políticas socioeconómicas, a descida da TSU como moeda de troca para a subida do SMN é uma medida errada? Por vários motivos, do meu ponto de vista. Primeiro, porque descapitaliza a SS (Segurança Social) e isso é errado do ponto de vista da gestão financeira e política dos dinheiros dos portugueses (dos contribuintes, das pessoas que descontaram para mais tarde terem a sua reforma e/ou pensão). O Ministro da tutela, Vieira da Silva, esse ponta de lança da ala direita do PS no governo, diz-nos que tal é transitório e, adicionalmente, que não há problemas financeiros para a SS visto que transferências do orçamento de estado compensariam isso. Esta é uma visão míope, por um lado porque o que conta é a utilização política dos dinheiros da segurança social e isso é um sinal errado que se dá aos vários agentes envolvidos. Acresce que hoje está o PS no poder e faz a transferência para a SS, mas amanhã estará outro partido e não se sabe o que fará… ou seja, a SS corre mesmo o risco de ser descapitalizada. Quanto ao carácter transitório da medida, isso é ilusório também: basta recordar que é o segundo ano que o PS a quer aplicar, tendo-a aplicado já em 2016.

Segundo, independentemente da gestão da SS, esta medida é errada porque põe os contribuintes a pagar parte dos salários (SMN) que deveriam ser os patrões a pagar.  Os contribuintes não recebem um cêntimo que seja de dividendos quando as empresas geram lucros, certo? Então porque haveriam de pagar parte dos salários dos empregados das empresas? Não devem fazê-lo!

Terceiro, estes são incentivos errados em sede de política de rendimentos e preços: estimula os patrões a concentrarem os salários nos mínimos, pois aí as remunerações são subsidiadas… Isto mesmo foi explicado pelo Presidente do CES, ainda que a título pessoal, esse socialista insuspeito de simpatias esquerdistas…, e por dois reputados investigadores do mundo do trabalho, Maria da Paz Campos Lima e João Ramos de Almeida. Mais, como explicam estes dois investigadores no artigo citado: o SMN está em vias de se transformar numa espécie de salário nacional pois que até Setembro de 2016, 37% dos novos contratos com empregados pagavam o SMN… é o que dá esta política de incentivos errados! Ou seja, dá uma política de baixos salários e ainda por cima pagos (em parte) pelos contribuintes… precisamente o contrário que diz querer o governo do PS com a reversão da «política do empobrecimento» da coligação PSD com CDS-PP… É preciso fazer um desenho?

Mas esta solução não é apenas errada do ponto de vista das políticas socioeconómicas, é também errada do ponto de vista da política de alianças. António Costa e este novel PS, com o XXI Governo Constitucional apoiado pela esquerda radical, mudou radicalmente a política de alianças do PS no terreno político, ao fim de cerca de 40 anos. É uma mudança de enorme importância e significado: mais democracia, mais inclusividade, maior alinhamento das elites partidas com as preferências dos eleitores, maior responsividade e responsabilidade. Uma autêntica «revolução democrática». Mas para ser consistente e duradoura, além de ter de mostrar resultados positivos, precisa de se estender também à arena social, nomeadamente sindical. Há quem chore pela concertação social, com o chumbo desta descida da TSU, mas que concertação social é essa que inclui sempre e apenas o sindicato mais fraco, a UGT (que vale cerca de 1/3 da CGTP)? É preciso incluir também efectivamente a CGTP nos acordos de concertação para termos mais democracia e mais inclusividade na arena social. E para a nova política de alianças (do PS, e da esquerda radical) ao nível político – parlamentar – governativo se consolidar, é preciso pois mudar também as alianças ao nível sindical, não excluindo a UGT mas incluindo também a CGTP! É por ir em sentido oposto a este que esta mudança legitima a pergunta: com este acordo temos o regresso (em força) da ala direita no PS?

Adicionalmente, no acordo que o PS fez com a esquerda radical, para sustentar o XXI governo constitucional, está prevista a não descida da TSU dos trabalhadores, que o PS tinha inicialmente proposto aos eleitores como medida transitória para estimular a economia… Ora, a não descida da TSU, no acordo com a esquerda radical, parece ter saído pela porta para entrar agora pela janela… o que não é uma boa coisa para um partido, o PS, que se quer uma pessoa de bem na relação com os seus parceiros de esquerda (como com quaisquer outros)…

Três notas finais para saudar a esquerda radical e o PSD, e para lamentar a parcialidade da RTP. A esquerda radical tem estado não só muito coerente, mas também muito pragmática, nomeadamente admitindo medidas alternativas como o fim do PEC (Pagamento Especial por Conta), e/ou a descida dos custos da energia, para compensar os patrões e o PS não perder a face… Maior sentido de responsabilidade é difícil!

O PSD faz muito bem (!) em não apoiar o PS nesta matéria, ainda que a expensas de alguma incoerência nas orientações para as políticas públicas: que o PS se apoio no PSD em questões de soberania (defesa, blocos político-militares, integração europeia, etc.) é compreensível, as divergências com os parceiros de esquerda são conhecidas desde o principio… agora, nas políticas socioeconómicas não faz sentido nenhum o PS apoiar-se no PSD… a não ser que queria subverter a nova política de alianças… De novo, volta a questão: o estaremos perante o regresso (em força) da ala direita no PS?

No meio de toda esta polémica, a RTP decidiu dar voz a uma das partes, os patrões: Vítor Gonçalves vai entrevistar hoje, 25-1-2017, o Presidente da CIP… (apenas) uma parte na contenda! Lamentável esta parcialidade descarada e ostensiva da RTP! Devia no mínimo organizar um debate com as várias partes! Nunca dar voz a apenas uma parte!

André Freire
andre.freire@meo.pt

Professor Catedrático em Ciência Política. Foi diretor da Licenciatura em Ciência Política do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (2009-2015). É desde 2015 diretor do Doutoramento em Ciência Política do ISCTE-IUL. Investigador Sénior do CIES-IUL. Autor de numerosas publicações em livros e revistas académicas. Perito e consultor convidado de várias instituições nacionais e internacionais.

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