12 Jun O amigo
Os amigos, o amigo, são a família que se escolhe, e que se pode juntar à família constituída, ou não. Nuns casos são uma alternativa, noutros são um prolongamento, não deixando de ser, nalguns casos, um prolongamento alternativo da família sociologicamente e socialmente definida, sobretudo quando a relação com os ascendentes e os descendentes passou a ficar enquadrada por manifestações rituais, mais ou menos intemporais. É uma selecção entre muitas possibilidades, que decorre de critérios exclusivos. Com os amigos a proximidade é simultaneamente próxima e distante, tem a elasticidade dos fenómenos adaptáveis às circunstâncias e estados de alma. Talvez seja por isso que o aforismo, os amigos são para as ocasiões, tenha a sua aplicação plena sempre que à liberdade de escolha dos amigos se juntem as necessidades circunstanciais dos amigos, a ocasião.
Diogo Lacerda de Macedo, amigo de longa data António Costa, segundo ele, tem-lhe manifestado em diversas ocasiões essa amizade, incluindo situações em que foi chamado a colaborar com o primeiro-ministro em assuntos do Estado. Em democracia, desde que sejam publicamente conhecidos, escrutináveis e aceites os termos e a natureza dessa colaboração não há razão para haver lugar a qualquer reserva política. Afinal trata-se de aproveitar as competências e capacidades de alguém que está habilitado a ser útil, avaliadas por um governante que está em condições privilegiadas para o fazer.
Contudo, as ocasiões não são todas as ocasiões. Embora a nomeação de Diogo Lacerda de Macedo para o conselho de administração da TAP não possa ser assimilada a qualquer conflito de interesses, não deixa de ser o equivalente a uma manifestação de nepotismo. Porque esta nomeação é uma colaboração que deixou de ser circunstancial para se tornar institucional. É uma colaboração que foi deslizando até adquirir o lastro das razões de Estado, compreensíveis em certos assuntos, mas indesejáveis sempre que ficam em causa os valores republicanos. E os valores republicanos são contrários ao tratamento privilegiado, como aconteceu no caso do amigo do primeiro-ministro. Não se trata do estafado o que perece, é; trata-se do que é, é. Um amigo que publicamente é reconhecido como tal por António Costa é nomeado por ele para um alto cargo da administração de uma empresa na qual o Estado tem interesses.
Tendo estado presente a boa fé nas assinaturas dos acordos de 10 de Novembro de 2015, não foi, por isso, necessário salvaguardar estas situações de maneira explícita. Contudo, não fazendo parte do que ficou escrito, no espírito este tipo de valores devia ter um tratamento inquestionável por todas as partes. Uma vez violados por um dos signatários, todas as críticas ficam justificadas e toda a cautela passa a ser pouca.
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