“NÃO NOS ADAPTEMOS À POBREZA”!

“NÃO NOS ADAPTEMOS À POBREZA”!

A pobreza não se remete a uma realidade distante de países em desenvolvimento; lamentavelmente muitos de nós estão em risco de pobreza e outros mais, mesmo empregados, deparam-se de forma galopante com a escassez de bens essenciais como são “o pão, a saúde, a educação, a habitação”.

É o que nos informa o último relatório, datado de setembro de 2022, da EAPN (Rede Europeia Anti-pobreza) – Portugal: sobretudo depois da pandemia, a taxa de risco de pobreza e a situação socioeconómica dos portugueses agravou-se, ao que se veio juntar, a estas dificuldades e mais recentemente, a guerra na Ucrânia-Rússia, com o preço dos alimentos e da energia a disparar, refletindo-se numa subida da taxa de pobreza para 22,4% em 2021 contra 20% em 2020.

De acordo com o documento da EAPN, o risco de pobreza atinge sobretudo agregados familiares com crianças, os desempregados, as famílias monoparentais e a população idosa (sobretudo as mulheres idosas), mas o seu agravamento atinge ainda outros grupos sociais vulneráveis como o são as mulheres, crianças e os reformados.

Não é recente a lamentável assimetria social que se reflete no risco da pobreza e que se tem vincado ainda mais por estes dias: os ricos continuam ricos ou a enriquecer ainda mais. Por assimetrias, também as há entre as várias regiões do país e mais uma vez são as regiões autónomas, da Madeira e dos Açores, a refletir o maior risco de pobreza e exclusão social, e os maiores níveis de pobreza em Portugal. E as privações podem passar mesmo por não haver “capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou peixe (ou equivalente vegetariano) de 2 em 2 dias”, pelo menos, já para não falar na dificuldade de fazer face às despesas incontornáveis e inerentes à saúde, educação (a exemplo, têm aumentado as desistências do ensino superior…)  e à habitação. Esta última, tem-se assumido como uma grande preocupação de milhares de famílias e jovens, vítimas da disparidade dos juros, da imoralidade dos preços das casas e arrendamentos (uma revoltante expressão de ganância; e as que existem a custos acessíveis não chegam a todos…) e da gentrificação alimentada pelo turismo de massas, pelos “vistos gold” e nomadismo digital. Em Portugal a exclusão habitacional é dramática, vivendo cerca de 14,3% das famílias mais carenciadas em situações de sobrelotação, de acordo com um relatório europeu. Mas aumentou também a privação de habitação e os agregados pobres vivem em condições indignas para o seu bem-estar e saúde.

Outros indicadores do aumento da pobreza e do risco da pobreza em Portugal, são o aumento (mesmo que ligeiro) da taxa de desemprego – com as mulheres e os jovens como os grupos mais vulneráveis ao desemprego – e dos apoios sociais que tiveram de responder aos impactos da pobreza. Diz o documento, já citado, da EAPN que “sem as pensões e as transferências sociais a taxa de pobreza chegaria a 43.5% ao nível nacional”!

Mas a verdade é que não é com o assistencialismo que se resolve a pobreza, tem um efeito rápido e momentâneo, mas a longo prazo a injustiça que divide um país em poucos ricos e muitos pobres não se esbate. É ver pela inflação brutal atual: tortura particularmente quem é pobre e mais ainda os empregados assalariados. São necessárias medidas políticas corajosas e profundas na atual configuração social e económica do país. Adaptar-se à pobreza não é solução nem caminho!

 

( originalmente publicado em JM, 24/11/22; imagem de autoria desconhecida)

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Sílvia Vasconcelos
vasconcelos.silvia@gmail.com

Médica Veterinária, com mestrado em microbiologia alimentar; pós-graduação em comportamento animal e doutoramento em Ciências Veterinárias, componente biomédica sobre os benefícios dos animais para saúde mental dos idosos ,com livro e artigos publicados sobre o mesmo tema. Actualmente é dirigente nacional do Movimento Democrático das Mulheres, foi também deputada na Assembleia Legislativa da Madeira. debatendo-se por múltiplas temáticas em que se destacam os direitos dos animais, direitos sociais e dos trabalhadores, direitos dos idosos e das crianças; cultura, ambiente e igualdade de género. Foi ainda actriz no Teatro Experimental do Funchal, integrando vários projectos artísticos de teatro, televisão e locução desde 1986.

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