Na encruzilhada

Na encruzilhada

Os acordos celebrados em 10 de Novembro de 2015  são constituídos pelo que neles está escrito mas são mais do que isso, representam também um dado espírito político resultante das expectativas com que cada uma das partes decidiu aceitá-los e assiná-los. São acordos que envolvem compromissos e equivalem a um ponto de partida para outros desígnios programáticos mais ambiciosos. Se a letra daqueles acordos está boa parte dela cumprida ou em vias de o estar, há então que tratar do seu espírito, daquela parte que conduz a letra, quando se começa a equacionar para onde se vai e com quem se vai ao aproximar de uma encruzilhada. Para parte dos seus subscritores a fórmula política é já o quantum satis. Porém, para os outros  mas também para quantos não têm lá a sua assinatura mas contribuíram para que a tinta e o papel não faltassem, a data representa um ponto de partida para alcançar, se não tudo, mas quase tudo que o que tem ficado pelo caminho e, por isso, falta fazer.

Mesmo numa conjuntura política e económica mais favorável, e principalmente por causa disso, sendo necessário, não é suficiente contar exclusivamente com a maioria que no parlamento tem dado conta do recado, naquilo em que o denominador, mesmo oscilante e variável, tem sido comum. Essa maioria traduz uma base eleitoral e social de apoio, que não deve ser confundida com as várias bases militantes, com diferentes expectativas e exigências  que se vão tornando cada vez mais explícitas à medida que a letra dos acordos vai sendo cumprida. Algumas dessas exigências começaram já a manifestar-se, embora ainda sob a forma de reivindicações sócio-profissionais. Mas nesta base social também  está lá quem não tendo  enquadramento orgânico tradicional tem, no entanto, influência na manutenção das condições  para que a solução governativa e os acordos que lhe deram origem se mantenham. É que o 10 de Novembro é, igualmente, obra  dos que contribuíram activamente para que na noite da contagem dos votos começassem a ser dados os primeiros sinais de que, tudo visto e somado, o bem comum era mais importante do que as querelas do passado.

Há, no entanto, um vasto conjunto de eleitores para quem as medidas que já foram tomadas ainda não são suficientemente convincentes para mudarem a sua intenção de voto. Será por isso que, relativamente aos resultados de 4 de Outubro de 2015, o conjunto da direita mantém hoje a quota de 36% das intenções de voto, e o conjunto dos partidos signatários dos acordos de 10 de Novembro ganham cinco pontos percentuais correspondentes a 55% das intenções de voto. Este é o sinal quantitativo da encruzilhada. A saída desta situação é  manter-se nela, porventura andar-se à volta dela, ou decidir-se por soluções mais ousadas que atendam aos défices  que há muito se fazem sentir mas que sistematicamente são remetidos para conjunturas que não chegam a ver a luz do dia.

A decisão parecendo simples, não é, porém, óbvia. Nas políticas sociais, e é sobretudo isso que agora está em causa, tanto se pode enveredar por escolhas que não passem de actualizações do que já está  feito, que será sempre a via do compromisso em movimento,  ou  promover-se a busca das soluções que tenham em  conta a equidade  do bem comum. Tanto quanto se consegue decifrar, isso implica que o espírito do 10 de Novembro deve conseguir incluir a satisfação  do bem comum por outros caminhos  e modalidades, mas sempre com recurso à presença e escrutínio de quem beneficia dele. Essa é boa parte do espírito do 10 de Novembro, tal como o entendemos.

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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