Maus chefes perigam a saúde

Maus chefes perigam a saúde

Numa entrevista, o professor João Areosa (especialista na área do trabalho), citando um estudo realizado na Suíça, respondia que “maus chefes (incompetentes, autocráticos ou autoritários) aumentam significativamente o número de problemas cardíacos dos trabalhadores, incluindo casos fatais. (…) este efeito é cumulativo e quanto mais tempo estiverem, os trabalhadores, sob alçada deste tipo de hierarquias, maior é o risco de adoecerem. Isto significa que um mau chefe pode matar, literalmente”.

São inúmeros os exemplos que o podem confirmar (quem não se lembra do perturbante caso dos 25 trabalhadores da France Telecom que se suicidaram em ano e meio entre 2009 e 2010?) e muitos deles ocorrem, com maior ou menor gravidade, no nosso próprio contexto ou proximidade de trabalho.

A verdade é que nos anos recentes todos nós, os trabalhadores, temos sido sujeitos a variadas pressões no local de trabalho- nas quais se incluem a própria avaliação de desempenho, a precariedade e a exigência de disponibilidade “total”- que estão, comprovadamente, na origem de inúmeras doenças mentais (ansiedade, depressão) e esgotamentos ligados ao trabalho. C. Dejours (outro – médico- especialista na matéria) desmonta mesmo uma espiral em que o sofrimento no, e pelo, trabalho pode ser tal ao ponto do desfecho ser o suicídio.

O mesmo autor, numa entrevista, descreve o perfil das maiores vítimas de assédio no trabalho, sobretudo por parte das chefias “São justamente pessoas que acreditam no seu trabalho, que estão envolvidas e que, quando começam a ser censuradas de forma injusta, são muito vulneráveis. Por outro lado, são frequentemente pessoas muito honestas e algo ingénuas. Portanto, quando lhes pedem coisas que vão contra as regras da profissão, contra a lei e os regulamentos, contra o código do trabalho, recusam-se a fazê-las”- e “falam” e por “falarem” tornam-se um alvo.

Mas o assédio que um chefe pode exercer sobre um trabalhador (e tantas vezes com a conivência ou covardia de colegas, também com medo) na verdade repercute-se sobre toda a comunidade de um serviço e sobre a qualidade do próprio serviço – ao instalar-se o medo, por exemplo, há repercussões nas relações interpessoais e na própria qualidade de trabalho e do serviço prestado pela empresa – pública ou privada. E seria tudo possivelmente evitado se as chefias fossem pessoas não só instruídas e tecnicamente conhecedoras da área, mas nobres nas suas ações e decisões ao invés de se sentirem ameaçadas pelo brilhantismo e competência de alguns subordinados – na verdade, e sobretudo no sector da administração pública, estas chefias não passam de nomeações nepóticas ou políticas, perpetuando-se anos a fio nestes cargos e mesmo que sem brio, a subserviência a que se prestam, permite-lhes fazer do cargo de “chefia” uma carreira em que se instalam vícios e tiques de despotismo, ao invés de se colocarem ao serviço de uma boa gestão de trabalho em prol do bem comum, incluindo o dos seus funcionários.

Um chefe tem poder e é quem mais influencia o ambiente de trabalho (e consequentemente a qualidade e produtividade do trabalho) e cabe-lhe decidir, com o seu comportamento e atitudes, se quer um ambiente positivo ou um ambiente negativo – é que o desempenho das pessoas com estes cargos fará a diferença no estímulo e incentivo dos próprios trabalhadores e na produtividade das empresas e serviços.

Chefes-tóxicos ou chefes-líderes são quem mais faz a diferença na dinâmica e saúde socioeconómica de um país. Então parece óbvio que estes devem ser sujeitos não só a concursos para assumirem o cargo, mas também à limitação dos seus mandatos – só assim se contrariariam os “pequenos ditadores” e “presidentes da junta” das administrações públicas e privadas.

  • originalmente publicado no JM  a 5/9/2021, mas permanece atual.
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Sílvia Vasconcelos
vasconcelos.silvia@gmail.com

Médica Veterinária, com mestrado em microbiologia alimentar; pós-graduação em comportamento animal e doutoramento em Ciências Veterinárias, componente biomédica sobre os benefícios dos animais para saúde mental dos idosos ,com livro e artigos publicados sobre o mesmo tema. Membro do Movimento Democrático das Mulheres, foi também deputada na Assembleia Legislativa da Madeira. debatendo-se por múltiplas temáticas em que se destacam os direitos dos animais, direitos sociais e dos trabalhadores, direitos dos idosos e das crianças; cultura, ambiente e igualdade de género. Foi ainda actriz no Teatro Experimental do Funchal, integrando vários projectos artísticos de teatro, televisão e locução desde 1986.

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