11 Jun Lula no jogo, bolsonarismo de novo – VV 2.0 Emprestada a Mayra Goulart et al
Lula no jogo, bolsonarismo de novo
Por Mayra Goulart e Guilherme Leme
Nas eleições de 2018, o mundo político ficou assombrado pelo resultado alcançado por Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Os 49 milhões de votos em Bolsonaro para presidente multiplicaram-se no voto em candidatos bolsonaristas para todos os outros cargos em disputa, inundando os níveis federal e estadual com políticos sem identidade ou programa partidários e se vinculando diretamente à imagem de Bolsonaro. Sustentado por uma fanatizada parcela social, e com uma agenda econômica congruente com as forças liberais, o novo presidente inicia seu mandato com amplo apoio político na Câmara dos Deputados, e não demonstra interesse em formar um governo enquanto coletivo de diferentes forças políticas reunido em torno de uma agenda negociada.
Assim, Bolsonaro desafiou o modelo de presidencialismo de coalizão[1]. Segundo esse enquadramento lógico, até então aplicável para a recente democracia brasileira, a relação entre o Executivo e o Legislativo se dá por um sistema de trocas (de recursos e acesso à máquina pública), e de negociação (de programa) entre os partidos que integram o governo. Bolsonaro, por sua vez, buscando preservar maior poder de definição de agenda (necessário para levar adiante suas promessas eleitorais mais polêmicas), se apoia no sistema de trocas “no varejo”, através do instrumento das emendas parlamentares, distribuídas individualmente, contornando a mediação dos partidos enquanto mecanismos de articulação coletiva. Esse sistema foi “aperfeiçoado” a partir de 2019, através dos instrumento das transferências especiais[2]. Já na discussão da Lei Orçamentária Anual 2020, incluiu-se cerca de R$ 3 bilhões no instrumento das “emendas de relator”, com a destinação dos recursos sendo previamente acordada com os parlamentares da base aliada.[3]
A estabilidade desse sistema de governo de Bolsonaro no entanto começa a ruir em 2020. Com a chegada da Pandemia de Covid-19, as medidas restritivas de circulação confinam boa parte dos brasileiros em casa e aumentam consideravelmente a audiência do jornalismo nos meios de comunicação. A postura negacionista da pandemia por parte do presidente, agora acompanhada dia após dia por grande parte dos brasileiros, aumenta sua rejeição junto com a curva de mortes diárias. Segundo dados do Datafolha[4], ela aumentou de 26%, em 20 de março (quando tínhamos 2 mortos por semana) para 44%, em 24 de junho (média de 1.046 mortes por semana)[5]. Além disso, um dos pilares mais fortes da narrativa que ganhou a eleição, a luta contra a corrupção, começou a ruir com o pedido de demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça em 24 de abril. Moro alegou ter sido pressionado a trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro em benefício do filho do presidente, Flávio Bolsonaro, investigado pela PF no caso das “Rachadinhas”.
A estratégia de Bolsonaro foi a de agir para não perder a sua base de apoio nuclear. Intensificou suas aparições públicas buscando chamar a atenção e demonstrar não estar acuado. Convocou manifestações clamando por ditadura, e, reagindo à operação da Polícia Federal no inquérito que apurava ataques de seus apoiadores ao Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro chega ao auge dessa tática: “Acabou, porra!” grita em afronta no dia 28 de maio. Na véspera, seu filho Eduardo havia afirmado que o “momento de ruptura” não era uma questão de “se” mas “quando” iria acontecer[6].
Embora mantivesse essa postura beligerante com a finalidade de manter a sua base social inflamada, entre as elites políticas Bolsonaro aprofundou o sistema de trocas, aproximando-se do “centrão” – aqui entendido como o conjunto de Deputados Federais sem orientação partidária ou ideológica determinante e que pode orbitar diferentes projetos a depender das perspectivas de recursos e cargos. A alta fragmentação do sistema político brasileiro (27 partidos com representação no atual Congresso Nacional) e a consequente dificuldade de uma aliança programática de partidos obter sozinha a maioria dos assentos no parlamento proporciona a esse conjunto de deputados uma relevância ímpar na formação de governos desde a redemocratização. O centrão, que esteve no governo desde 1985, começa a ser acolhido também por Jair Bolsonaro.
Através de nomeações importantes no governo, o presidente procurou agradar esses deputados e se resguardar de um eventual processo de impeachment, cujos pedidos já chegavam às dezenas. Essa relação com o centrão ficou mais estreita com o esforço do Planalto para eleger aliados presidentes da Câmara e do Senado este ano. Grande parte dos votos que elegeram os candidatos apoiados por Bolsonaro pode ser atribuída à efetivação dos repasses de recursos aprovados nas “emendas de relator” ao Orçamento 2020, mencionadas anteriormente.
Nesse cenário acontece a repentina decisão de Edson Fachin, a nosso ver o elemento determinante na alteração da correlação de forças que até então pendia em favor do projeto bolsonarista. Em 8 de março, o relator dos processos da Operação Lava-Jato no STF decreta a nulidade de todas as condenações de Lula na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Essa medida foi lida por muitos como manobra para salvar a reputação de Sérgio Moro e da Lava-Jato, após o vazamento de conversas comprometedoras do ex-juiz com os procuradores. Com o julgamento da suspeição de Sérgio Moro no STF ainda em aberto, Fachin tenta extinguir o processo, protegendo Moro de ser declarado suspeito e de ter todas as suas instruções no processo anuladas. Como sabemos, a manobra não prosperou, e, pela ação da 2ª turma do STF, Sérgio Moro foi declarado suspeito no caso de Lula, em 23 de março.
Esse acontecimento inaugura uma nova fase da luta hegemônica entre os projetos políticos antagônicos de Lula e Bolsonaro. Com o ex-presidente elegível e com grandes chances de voltar ao Planalto em 2022, o PT e as forças do campo oposicionista ganham novo fôlego. Ademais, a possibilidade de se aproximar de um novo hegemon e lograr das benesses dessa proximidade começa a fazer parte dos cálculos de lideranças do centrão. Caso tal setor se convença do favoritismo e das perspectivas de um futuro governo Lula, pode transformar Bolsonaro naquilo que chamamos de “pato manco”: um governo cujo apoio social e político se erode antes de seu fim.
Em suas declarações após a anulação de sua condenação, Lula não economiza nas críticas ao projeto de Bolsonaro, principalmente em relação ao combate à pandemia e à condução da economia. Ele o faz de uma posição concorrente e antagônica, comparando o governo atual com os bons anos do PT; e busca dialogar com a base social mais ampla possível. Critica duramente a demora na aquisição das vacinas, e defende também como prioridade o Auxílio Emergencial de R$ 600,00.
Apesar de se colocar claramente numa posição de anti-bolsonaro, Lula demonstra disposição ao diálogo também com os setores políticos e econômicos que estão representados no atual governo. “O povo elegeu quem ele quis eleger. Nós temos que conversar com quem está lá para ver se a gente conserta esse país.”, disse em seu discurso no ABC[7]. Nesse sentido, defende uma política de alianças ampla para o PT, o que também se expressa nas ausências em seu discurso. Não aborda o trauma político do impeachment de Dilma Rousseff, tampouco as “reformas” liberalizantes dos governos Temer e Bolsonaro, aprovadas pelos mesmos parlamentares cujo apoio agora busca.
Essa força gravitacional que Lula exerce sobre o centro é a maior ameaça ao governo Bolsonaro e às suas chances de reeleição. A própria Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, aberta no Senado Federal por determinação judicial, adquiriu um significado totalmente diferente depois que o ex-presidente readquiriu seus direitos políticos, e hoje representa inclusive uma ameaça ao mandato de Bolsonaro. Na mesma semana da abertura da CPI, Lula encontrou-se com grande parte das maiores lideranças partidárias brasileiras. Num dos primeiros resultados práticos, o PSD, um dos maiores partidos da base do governo, anunciou que planeja ter candidato próprio para o Planalto em 2022.
A julgar pelas atitudes de Bolsonaro, convocando novamente manifestações antidemocráticas a partir da entrada em funcionamento da Comissão e de seu resultado nada animador nas últimas pesquisas eleitorais, o que lhe parece restar é manter o bolsonarismo vivo, visando sobreviver até as eleições de 2022. Do outro lado, estarão as forças sociais antibolsonaro, que já ensaiam a volta às ruas, a partir de 29 de maio. A intensificação das manifestações com o avanço da vacinação e o relatório final da CPI da Covid prometem um segundo semestre quente.
[1] ABRANCHES, Sérgio Henrique. O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados: revista de ciências sociais. Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, 1988.
[2] Toffoli manda Bolsonaro, Pacheco e Lira se explicarem sobre emendas “cheque em branco” | Malu Gaspar. Acesso em 06/05/21.
[3] Ver Exclusivo: Planalto libera R$ 3 bi em obras a 285 parlamentares em meio à eleição no Congresso. Acesso em 06/05/21.
[4] Consultados em: 44% reprovam governo Bolsonaro e 30% aprovam, aponta pesquisa Datafolha. Acesso em 05/05/21.
[5] Os dados sobre mortes foram colhidos do repositório da universidade Johns Hopkins. Disponível em: https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19. Acesso em 05/05/21.
[6] Eduardo Bolsonaro vê ‘momento de ruptura’ e cogita adoção de ‘medida enérgica’ por presidente. Acesso em 05/05/21.
[7] Trecho do discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo-SP, em 10/03/21. Disponível em: Leia a íntegra do primeiro discurso de Lula após anulação de condenações da Lava Jato. Acesso em 06/05/21.
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