05 Dez Ilusões, alienações e perversões
Seria uma ilusão perigosa, uma alienação política, mesmo uma perversão dialéctica imaginar que o que acontece actualmente no mais recôndito lugar da Europa não vai ter repercussões em Portugal. O que dizer então quando os graus de incerteza política aumentaram exponencialmente com o resultado do referendo constitucional em Itália, no qual a extrema-direita, a direita e os populistas do Cinco Estrelas jogaram todos os seus argumentos. E quando na eleição presidencial da Áustria o candidato da extrema-direita obteve 46% dos votos.
Em França, ainda não se sabe qual vai ser o candidato da(s) esquerda(s), se Mélenchon ou outro qualquer, mas por este andar há que temer o pior. Na extrema-direita, uma Le Pen; na direita, o mais à direita que foi possível encontrar, Fillon; nos socialistas, também o mais à direita que era imaginável, Valls. Mas é necessário lembrar que à ameaça da extrema-direita não se responde com mais direita, responde-se com mais esquerda. Tenham em conta, chérs amis e camarades, que no Maio de 68 não foi nem a extrema-direita nem a direita que ocuparam a rua, foi uma mistura das diversas esquerdas. Por este andar, com todo este frenesim defensista, o turbilhão europeu pode vir a conhecer, senão negros, pelo menos dias particularmente cinzentos. E no entanto tudo isto tinha sido escusado se, quase durante uma década, a Europa não tivesse sido varrida por uma onda de austeridade que dizimou o que ia encontrando pela frente, as condições de vida de milhões de europeus.
No entanto, depois dos acontecimentos de domingo em Itália e das continuadas ameaças sobre Atenas, tudo indica que a Berlim e Bruxelas está-lhes a custar aprender com o que já se passou, com o que está a acontecer e, pior, com o que pode estar aí a germinar. Não é, porém, no abandono da União Europeia, regressando às tarifas aduaneiras e aos vistos nas fronteiras, que está a solução para o que se está a passar. É no seio dos mais de 500 milhões de europeus que o combate por uma Europa mais justa e solidária deve ser travado. O contrário é fazer o papel do rato do navio. Nas actuais circunstâncias, fazer a apologia do desmembramento da Europa é promover a eliminação dos restos de regulação política que ainda restam, é , na actual correlação de forças, defender uma bravata em nome de um combate que, tudo indica, iria ter um desfecho trágico. Porque não há sinal de que a tendência das forças do progresso esteja a progredir ou o território da extrema-direita esteja a encolher. Se o quanto pior, melhor, não é a melhor táctica para se conseguirem progressos significativos no combate político, o que dizer do quanto melhor, pior, quando o melhor para as direitas de todos matizes é o pior para as esquerdas de todas as cores?
A solução política encontrada em Portugal com os acordos de 10 de Novembro e a investidura de 26 de Novembro ficaria particularmente fragilizada não tanto pela lógica das contradições internas que inequivocamente a atravessa, e nenhum dos seus parceiros a esconde, mas pelos efeitos e consequências de um impulso nacionalista e soberanista, à semelhança do que está a acontecer noutras latitudes. A acontecer, com o argumento de que se trataria de uma luta de libertação nacional de novo tipo, os trabalhadores europeus deixariam de poder contar com uma retaguarda institucional empenhada em contribuir para a contenção e derrota do que de mais obscurantista está a emergir por toda a Europa. É que na Europa ainda continua a haver mais trabalhadores do que capitalistas, e o internacionalismo não deve ser encarado como uma espécie de tpc.
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