Discurso sobre a oportunidade

Discurso sobre a oportunidade

No mês em que passam cem anos sobre a revolução russa e em que se celebram os dois anos dos acordos entre PS, BE, PCP e PEV, o que une estas duas datas é o sentido da oportunidade. No primeiro caso, oportunidade de os bolcheviques não esperarem pela Assembleia Constituinte para ficarem decididos os caminhos da revolução e tomarem o Palácio de Inverno, sede do governo provisório saído da revolução de Fevereiro. E a decisão impôs-se porque a palavra de ordem todo o poder aos sovietes era aquela que mobilizava todas as energias dos revolucionários, e tornou possível o que dias antes ainda parecia uma miragem.

No segundo caso, oportunidade das esquerdas não terem esperado pela constituição de mais um governo da direita para, depois de o derrubarem, examinarem minuciosamente as condições para se entenderem. Durante esse espaço de tempo toda a propaganda e contra-informação seria posta ao serviço da recondução do governo PSD/CDS, com o empenho e a influência de todos os grandes grupos empresariais e do Palácio de Belém. Foi na própria noite de 4 de Outubro que, feitas as contas, o futuro político se ia decidir com a contagem dos deputados que cada grupo parlamentar ia ter. Neste caso iria ser a Assembleia da República a ter um papel decisivo na viragem dos acontecimentos.

O aproveitamento das oportunidades políticas verificam-se, não por um qualquer acto de voluntarismo messiânico, mas pela leitura e interpretação ajustadas ao que se está a passar nas dinâmicas sociais. E naquele momento, na noite de 4 de Outubro, houve o discernimento político suficiente para se ter percebido que antes e durante a campanha eleitoral tinha sido manifestado um forte sentimento de necessidade de mudança. Daí até aos acordos de 10 de Novembro, as decisões que foram sendo tomadas pelas diversas formações partidárias ficaram mais facilitadas, uma vez que qualquer desinvestimento na solução que se apresentava pela frente iria reconduzir a direita ao poder com todas as consequências sociais por que a população tinha passado durante quatro anos.

Quando tiverem passado quatro anos sobre o 10 de Novembro de 2015, a avaliação que lhe se fizer há-de contar com o significado simbólico que ela representou, mas sobretudo com os benefícios que trouxe para a grande maioria da população, para aqueles que vivem do seu trabalho diário. E será esse balanço que deverá contar para as decisões que então se vierem a tomar. Se assim não se fizer, embora o que se conquistou não tenha sido um vôo cego ao nada, não terá passado de uma experiência. Porém, quando os testes são bem sucedidas a expectatitva é que se comece o fabrico em série dos exemplares, de preferência melhorados com as modificações que a experiência aconselhou.

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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