30 Jan Cenários eleitorais e pós-eleitorais para as legislativas de 2022
- Introdução
Após a Grande Recessão (GR), houve várias transformações profundas nos sistemas políticos europeus, particularmente no Sul da Europa (Grécia, Espanha, Itália): grandes aumentos da volatilidade eleitoral e da fragmentação partidária, mudança para governos de coligação. Todavia, há muito que a fragmentação partidária, o multipartidarismo e os governos de aliança política eram a nota dominante na esmagadora maioria dos restantes países europeus. Nas legislativas a seguir à GR, 2015, Portugal era, contudo, ainda um caso excecional: o formato do sistema partidário ficou estável, aquilo que mudou foi a dinâmica do seu funcionamento e do sistema de governo, ou seja, as esquerdas passaram a conseguir entender-se para governar ao fim de 40 anos de democracia, com acordos escritos, tal como as direitas têm sido sempre capazes de fazer e tornarão a fazer. Entre 2015 e 2019, o PS e as esquerdas radicais (mais o PAN) convergiram na maioria das votações na Assembleia da República – AR (cerca de 65%) e todos os orçamentos foram aprovados à esquerda. Em 2019, o PS recusou um acordo escrito, de legislatura, com o BE, o qual garantiria estabilidade para a dita. Mas o PS dizia querer continuar a apoiar-se na sua esquerda; porém, devia ser só para passar os orçamentos com pequenas concessões, já que a maioria das votações na AR, 2019-22, foram convergentes com o PSD (59%) (Expresso, 13-11-21). O orçamento de 2020 ainda foi aprovado pelas esquerdas todas, o de 2021 só pelo PCP-PEV, PAN e deputadas não inscritas, o de 2022 já recebeu o voto contra de BE e PCP-PEV, além das direitas, e chumbou…. Chegámos, pois, a estas eleições antecipadas com responsabilidades repartidas entre as várias esquerdas, mas eu diria sobretudo do PS: porque recusou um acordo de legislatura em 2019, porque passou o tempo a convergir sobretudo com o PSD, seja ainda pelas fracas concessões que queria fazer às esquerdas radicais.
- Cenário de uma maioria de direitas
Nas eleições de 2019, já se viam pequenos sinais de aumento da fragmentação partidária, mas eram demasiado ténues para se valorizarem. Todavia, as regionais dos Açores de 2020 (e a fórmula governativa encontrada), as presidenciais e as autárquicas de 2021, além das sondagens para estas legislativas de 2022, evidenciam um reforço da fragmentação e do multipartidarismo, sobretudo à direita. Do lado do PSD, Rui Rio tem tentado deixar todas as portas abertas para uma aliança pós- eleitoral, muito provavelmente incluindo a IL e o CDS-PP no governo (uma coligação formal), a que poderia juntar na maioria parlamentar (embora não no gabinete) o Chega (e quiçá o PAN), se tal for arimeticamente necessário. Tal poderia acontecer mesmo que fosse o PS a ganhar as eleições, apenas com maioria relativa. Sendo, por ora, a maioria de direitas o cenário menos provável, a incerteza que caracteriza o cenário político e a eleição cada vez mais renhida, segundo as sondagens, não é despiciendo considerá-lo. Do ponto de vista político, esta solução teria pelo menos três vantagens. Primeiro, consubstanciaria as alianças governativas exigidas pelo multipartidarismo. Segundo, evidenciaria mais uma vez que no nosso sistema constitucional não elegemos o governo, ao contrário do que Costa parece querer fazer-nos crer…. Terceiro, ofereceria uma solução de estabilidade com acordo escritos para a legislatura.
Do ponto de vista das políticas, a situação é diferenciada face ao PS (descer o IRC empresas, nos dois primeiros anos, e diferir para o fim do ciclo eleitoral a descida do IRS), com certeza, mas para quem fala tanto na necessidade de subir o salário médio e mediano dos portugueses, não se entende o diferimento na descida do IRS… Na Saúde, o diagnóstico de Rio parece-me correto: independentemente da qualidade e esforço dos profissionais do SNS, e de todos os reforços feitos e a fazer, é óbvio que per se o SNS «não dá para as encomendas»… e, portanto, mais parcerias com o setor privado são necessárias… (tipo uma espécie de ADSE para todos, proposta creio pelo CDS-PP em tempos: voluntária, com copagamentos, mas com menos restrições e mais célere nos reembolsos) O problema é o tiro no pé: se é para estender apenas as parcerias com os privados, não se entende para quê querer mudar a Constituição? Nas privatizações, é esperar uma avenida aberta, até porque Rio não parece ter qualquer visão estratégica sobre as empresas públicas: todas as que não deem lucro são para privatizar…. Na justiça, penso que existe uma certa coragem de Rio: perante um subsistema que não tem menos recursos per capita do que os congéneres, mas que funciona pessimamente (processos que se arrastam por anos e anos a fio, justiça na praça pública, fugas sistemáticas e gritantes ao segredo de justiça, etc.), porque não responsabilizar mais os magistrados do MP com agentes externos no CSMP? Da influência dos parceiros, devemos esperar mais descidas de IRS e privatizações, via IL, e mais conservadorismo e populismo do CDS-PP e do Chega, respetivamente.
- Cenário de uma maioria de esquerdas
Até agora (23-1-2022) todas as sondagens apontam para uma maioria de esquerdas no Parlamento, mas dado que o líder do PS se tem empenhado em fechar portas com os seus anteriores parceiros (BE e PCP-PEV) e em dizer que só consegue governar com estabilidade se tiver maioria absoluta, não me parece improvável que a maioria de esquerdas se esfume…. E, nesse caso, mesmo que o PS venha à frente, creio que as direitas se unirão para promover a alternância. Todavia, se a maioria de esquerdas se reeditar na AR, duas hipóteses se poderão verificar. Primeiro, o PS governa em minoria e à bolina, e o PSD será muito provavelmente o partido de suporte na AR, seja para aprovar os orçamentos, seja para passar a maior parte da legislação (como vimos nesta XIV legislatura, para a legislação em geral). Será um governo instável, no máximo dois anos, ou seja, logo que o PSD veja que pode substituir o PS no governo, deixa de o apoiar…. Basta ver a história política democrática em Portugal…. Segundo, se, apesar de tudo, a esquerda radical não se erodir muito e for crucial aritmeticamente para fazer uma maioria de esquerdas, então pode ser que Costa dê o dito por não dito, pense no país mais do que nele próprio e no seu partido, e então fará um acordo de legislatura com o BE, ou quem quer que, à esquerda, chegue para fazer maioria e queira fazê-lo, e teremos um horizonte de governo para 4 anos. Até agora, tirando os magistrados e juízes que foram principescamente aumentados na XIII legislatura, só houve reposição de cortes de salários e pensões na XIII legislatura, mais descongelamento de carreiras, e subidas de salários abaixo da inflação (0,3% e 0,9%), na XIV. Excetua-se deste congelamento o salário mínimo, mesmo assim os aumentos têm sido pagos pelos contribuintes (via subsidiação das empresas) e Costa quer reeditar este perverso modelo para o salário médio. Neste capítulo, sublinhe-se que, ao fim de 6 anos, Portugal tem o quarto pior score da EU, e que os salários públicos perderam 10% do poder de compra desde 2010 (Expresso, 7-1-2022 e 20-11-2021) . O input da esquerda radical para a recuperação dos salários seria a descida do IRS e algo que o PS defendia nos tempos da Troika, mas que passou a recusar nesta legislatura: reverter as leis laborais da troika (isto é, a redução das indeminizações por despedimento e a caducidade dos contratos coletivos de trabalho). Ou seja, fortalecendo o poder dos trabalhadores e dos sindicatos para subir os salários. Também deveríamos esperar o regresso do estado ao papel de acionista maioritário em empresas estratégicas (o que é diferente de renacionalização). Mas a palavra de ordem para todos os cenários, eleitorais e pós-eleitorais em 2022, é mesmo a incerteza.
Fonte:
Artigo originalmente dado à estampa no jornal Público de 27 de janeiro de 2022 com o mesmo título deste post na VV 2.0 «Cenários eleitorais e pós-eleitorais para as legislativas de 2022», agora em acesso livre na VV 2.0.
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