Católicos à Esquerda

José Tolentino de Mendonça num artigo recente publicado na Revista do Expresso, em que recordava a personalidade excecional de Alfredo Bruto da Costa, um católico à esquerda, interrogava-se: “O catolicismo português arruma-se (ou é arrumado) sociologicamente no centro-direita ou à direita, o que em parte se compreende e em parte, é pena. Sabemos que a monocultura ideológica não traz grande vitalidade. Mais não seja por aquilo que fica a descoberto: outras visões do mundo, uma certa inquietude crítica face aos modelos dominantes, sensibilidades alternativas. Maior representação social.”

Na luta contra Donald Trump, Bernie Sanders, publicava recentemente na sua página do Facebook, um foto do Papa Francisco e transcrevia uma sua declaração em defesa de um sistema público de saúde “Health is not consumer good but a universal right, so acess to health services cannot be a privilegie.”

Bernie Sanders é judeu, não é católico como o era o vice-presidente de Obama, Joe Biden, mas sabe que os católicos são em muitos Estados um suporte importante do Partido Democrático e, de muitas das suas causas, como a luta a favor dos trabalhadores e dos direitos do trabalho (e com uma forte presença sindical), das minorias, dos imigrantes e dos refugiados.

Durante a segunda guerra mundial, o presidente Franklin Delano Rooselvelt, democrata, maçon e protestante, considerou necessário contra os nazis e os fascistas, nomear o Cardeal Spellman, chefe de um serviço de assistência religiosa nas forças armadas, com a anuência de Pio XIi. O Cardeal Spellman contratou para o efeito sacerdotes católicos, protestantes, rabis e muftis, conforme as necessidades.

Os movimentos estudantis e operários católicos foram escolas de formação que contribuíram para alimentar a oposição católica ao Estado Novo, analisada, designadamente por João Miguel Almeida, e com presença ativa nos sindicatos, nos movimentos sociais e na sociedade civil progressista portuguesa, assim como nos partidos políticos de toda a esquerda no pós 25 de abril.

Na verdade, a realidade social e política portuguesa contemporânea contraria bastante o retrato feito por José Tolentino de Mendonça. Embora até a representação de muitas pessoas de esquerda considere o catolicismo como um património da direita, a história portuguesa contemporânea está cheia de exemplos onde os católicos – quer a nível individual, quer a nível colectivo – se bateram por causas de esquerda e tiveram papel essencial nos seus movimentos e partidos políticos, desde a revolução de 1974 aos mais recentes combates contra a austeridade. Só para referir um exemplo, o estado-providência português, assim como as políticas públicas de solidariedade social, funcionam em boa parte apoiados e em conjugação com o vasto sector das IPSS’s, muitas delas de base religiosa e católica.

A realidade social do catolicismo português é plural. Há uma forte presença da direita política, mas a esquerda plural portuguesa, designadamente o PS, o PCP e o BE, não teriam o profundo enraizamento que têm na sociedade portuguesa, se neles se não reconhecessem e militassem muitos militantes de origem católica. Nem poderia ser de outra forma. A Igreja é a maior organização da sociedade civil portuguesa e por conseguinte, nenhum movimento ou partido político pode aspirar a governar de forma duradoura e progressista sem um enraizamento profundo nas redes de sociabilidade local e uma mobilização e aliança com uma parte substancial das organizações e dos movimentos do catolicismo português.

Num momento em que se verifica um inegável momento de renovação católica, com consequências políticas, com os gestos e as palavras do Papa Francisco, com a sua denúncia da economia que mata e da globalização da indiferença, a sua sensibilidade ecológica, a sua defesa firme dos excluídos, dos deixados para trás, dos imigrantes e dos refugiados, dos precários e dos jovens, a esquerda política, na sua pluralidade, tem razões, em Portugal como nos Estados Unidos, para merecer a confiança de novos simpatizantes e militantes de origem católica desde que saiba estar atenta aos sinais dos tempos.

A sociedade portuguesa é felizmente cada vez mais plural no que se refere, às crenças, às convicções religiosas, filosóficas, morais e espirituais e é uma sociedade tolerante e ecuménica, onde cidadãos e cidadãs, com as mais diversas matrizes não apenas convivem, mas se empenham conjunta e solidariamente na construção do futuro. São também todas e todos estes cidadãos na sua diversidade que fazem a esquerda, neste momento, em que a esquerda portuguesa se renova e mostra que a vaca pode voar.

 

(com a colaboração de Tiago Fernandes)

José Leitão
jleitao@netcabo.pt
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