25 Mar As lições do pavé de Paris
Passam 50 anos sobre o que historicamente ficou conhecido por Maio de 68. Entre Março e Junho desse ano, os universitários de Nanterre iniciaram um processo de greves reivindicando a reforma do ensino. A eles juntaram-se os estudantes do ensino secundário, os CRS invadem a Sorbonne, estala o conflito, durante semanas o Quartier Latin é palco de confrontos entre estudantes e a polícia de choque, os operários ocupam a fábrica da Renault Billancourt e a greve estende-se a 10 milhões de operários. “A febre da ocupação instalou-se na intelligentsia. Os médicos radicais ocuparam as sedes da Associação Médica, os arquitectos radicais proclamaram a dissolução da sua associação, os actores fecharam todos os teatros da capital, os escritores encabeçados por Michel Butor ocuparam a Societe de Gens de Lettres no Hotel de Massa “. (David Caute. Sixty Eight, the Year of the Barricade). Não esquecendo que também as bailarinas do Follie Bergères aderiram às greves.
A 27 de Maio, governo, sindicatos e patrões reúnem-se para subscreverem os acordos de Grenelle, que prevê o aumento do salário mínimo, a redução do horário de trabalho e a diminuição da idade da reforma. É o triunfo das reivindicações sindicais. A 29 de Maio a CGT convoca uma manifestação que ocupa Paris e em que se exige “Governo Popular”, obrigando De Gaulle a interromper o conselho de ministros e a refugiar-se em Baden-Baden onde conferencia com as chefias militares e donde regressa para dissolver o parlamento. Realizam-se eleições, De Gaulle obtém uma vitória esmagadora, com 46% dos votos. É a derrota do movimento popular.
Um processo que se iniciou com reivindicações estudantis, passou rapidamente a violentos confrontos com a polícia, ocupações, greves, manifestações, até ao eminente colapso da V República, não fosse o conselho dos generais dado a De Gaulle para não realizar o referendo prometido e, em sua vez, serem convocadas eleições gerais. De alguma maneira representou a ressurreição, por outras vias, do foquismo, derrotado uns meses antes, em Vallegrande, na Bolívia. Neste caso argumenta-se que foi o partido comunista boliviano que rejeitou o apoio à guerrilha, considerando a ausência de condições políticas locais para levar a cabo um confronto insurrecional com aquelas características. Se o movimento 22 de Março, nascido nos corredores da universidade de Nanterre, paredes meias com a capital da aristocracia intelectual da rue d’Ulm, conseguiu, com os seus protestos, ganhar adeptos para pôr em causa a V República foi, ao contrário, porque estavam criadas as condições para o efeito, embora ninguém suspeitasse delas.
Ao contrário do processo boliviano, o processo francês acabou por reunir o apoio do movimento sindical, não só da CGT como da CFDT, mas só após a manifestação de 13 de Maio que reuniu quase um milhão de manifestantes nas ruas de Paris. É só nessa altura que Georges Marchais reconhece que se está perante, não de uma provocação montada pelo governo, mas de um movimento de massas que estava a ultrapassar os comunistas franceses. Tudo leva a crer, por isso, que até essa altura, a análise do PCF estava a ser realizada à luz dos tradicionais descodificadores para estas situações – provocação, espontaneísmo, anarquismo. Porém, o que as lições do Maio de 68 ensinam foi a ausência de competência política para os comunistas detectarem, não só entre os estudantes, o mal-estar social que o desenvolvimento do capitalismo francês tinha gerado desde o final da II guerra mundial e que acabou por se manifestar na onde de greves, ocupações e paralisações que percorreu o país. Satisfeitas as reivindicações conquistadas em Grenelle, só se pode entender a manifestação de 29 de Maio, exigindo um governo popular, como um acto antecipatório da vitória que comunistas e socialistas iriam obter nas eleições que se iriam realizar em breve. As consequências desses erros de cálculo duram até hoje.
Para a actualidade, vale a pena continuar a aprender com os ensinamentos que estavam escondidos sob o pavée de Paris. Seja, as condições nunca estão todas reunidas, as condições são instáveis, as condições estão em toda a parte, as condições estão onde menos se espera, as condições têm horror ao oportunismo, as condições exigem serem analisadas e interpretadas com rigor e subtileza, as condições têm de ser alimentadas sistematicamente, as condições rejeitam o preconceito, as condições dão-se mal com o esquematismo, as condições exigem acções. Há, por isso, que estar atento às condições.
Primeira publicação em www.comunistas.info
22 de Março de 2018
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