Agamémnon – A Trilogia das Guerras

Agamémnon – A Trilogia das Guerras

A reescrita de peças da antiguidade clássica grega (escritas por volta do Século V, antes da era cristã, embora muitos dos mitos subjacentes sejam não raro significativamente anteriores) é um dos maiores tributos que se pode prestar aos seus autores e à cultura clássica grega, em particular, tal como à cultura grega, em geral, berço da civilização ocidental, tornando-as intemporais e adaptáveis a diferentes contextos temporais e geográficos, ou seja, temas permanentemente atuais e que ecoam significativamente através do espaço e do tempo, de significância universal. (Espero não estar a cometer nenhum pecado para a «esquerda identitária» ao usar estas terminologias, nomeadamente «civilização ocidental». Mas se estiver, que se lixem!…. 😊).

Já vários autores têm feito isso, por exemplo, com a celebérrima peça Antígona, nacional e internacionalmente. Seja reescrevendo o texto, como por exemplo mais recentemente por Slavoj Zizek, seja com encenações muito inovadoras, como por exemplo a da Mónica Garnel no TNDM II.

É o caso também das Troianas de Eurípedes, que em Portugal foram reescritas por Hélia Correia e Jaime Rocha, dois escritores/poetas portuguesas que dominam muito bem a cultura helenística, nomeadamente sob influência tutelar da Professora Maria Helena Rocha Pereira: As Troianas, edições Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018.

O mito daquele que é talvez simultaneamente o maior herói (porque liderou a vitória grega na Guerra de Tróia, que durou cerca de 10 anos) e o maior vilão (porque teria sacrificado a filha mais nova, Ifigénia, à sacerdotisa, ou talvez Deusa, Artemisa, para conseguir vento para a armada de navios guerra gregos rumo a Tróia, que estavam bloqueados sem conseguir arrancar por falta de vento; sacrifício esse feito a pedido da sacerdotisa/Deusa) da mítica e longa Guerra de Tróia (mas realmente existente, como a historiografia demonstrou, embora com motivos que vão muito para além do rapto de Helena de Tróia por Páris, rapto esse perpetrado numa visita de Páris a Atenas onde vivia originalmente Helena, casada com Melenau, irmão de Agamémnon e irmã da mulher deste último), Agamémnon, também já foi reescrito por dramaturgos portugueses. Ver por exemplo na grande peça escrita por Tiago Rodrigues e levada à cena no TNDM II.

Mais recentemente também Jaime Rocha (re)escreveu o seu Agamémnon, em cena no Museu Arqueológico de Odrinhas, em Sintra, mas perto da Ericeira. Sob a égide de 5 companhias da região, mas coordenadas pela Musgo, a reescrita do mito por Jaime Rocha é muito interessante, seja pela lucidez sobre os motivos da guerra (as riquezas, os bens, etc., não apenas, ou sequer mesmo, a honra de Menelau e da Grécia, pelo rapto da bela Helena pelos troianos), seja pela voz central dada às mulheres na história, a contrario da sociedade altamente patriarcal e misógina da Grécia antiga (mesmo na democrática Atenas), assim como é ótimo o espaço onde a peça é levada a cena. A encenação é também muito boa, juntando teatro, canto lírico e dança, assim como é excelente o trabalho dos autores, nomeadamente dos atores e atrizes que dão corpo a Agamémnon, Clitemnestra e Ifigénia. Todavia, não há bela sem senão. Ao contrário da grande performance do dramaturgo e dos artistas, as entidades organizadoras parecem não se ter empenhado devidamente: chegar ao Museu é uma tarefa muito difícil, dada a orientação deficiente; a folha de sala é apenas a foto que junto a este post, ou seja, não há informações sobre a peça (um tema destes, de há 2500 anos, era intuitivo para os gregos do século V AC, mas não é para os cidadãos portugueses de hoje em dia…), não há uma sinopse, não há informações sobre a dramaturgia ou sobre a encenação, não há informações sobre o elenco, etc.; a peça começou dez minutos depois da hora, por problemas de organização. Resumindo: à excelência do trabalho dramatúrgico e do trabalho dos artistas corresponde uma logística miserável, que urge resolver, a bem da valorização do trabalho artístico que a Câmara de Sintra está a patrocinar, embora de forma deficiente.

André Freire
andre.freire@meo.pt

Professor Catedrático em Ciência Política. Foi diretor da Licenciatura em Ciência Política do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (2009-2015). É desde 2015 diretor do Doutoramento em Ciência Política do ISCTE-IUL. Investigador Sénior do CIES-IUL. Autor de numerosas publicações em livros e revistas académicas. Perito e consultor convidado de várias instituições nacionais e internacionais.

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