Afinal sempre temos novo governo populista (e alinhado à direita) em Itália

Afinal sempre temos novo governo populista (e alinhado à direita) em Itália

E afinal o governo entre Luigi di Maio, do Movimento 5 Estrelas, e Matteo Salvini, da Liga, nasceu realmente! Foram semanas bastante longas e tensas, durante as quais a grande maioria no Parlamento, composta por   partidos populistas mais ou menos alinhados na direita e na extrema direita (ou no mínimo dificilmente classificáveis, do ponto de vista da divisão esquerda-direita: Movimento 5 Estrelas), não dava grande margem de manobra para alianças alternativas de governo.

A primeira lista de ministros apresentada ao presidente da República Italiana, Sergio Mattarella, era simplesmente inaceitável (pelo menos para ele), sobretudo quanto a um dos seus nomes: Paolo Savona o teórico da saída do Euro. Descobriu-se, assim, que algures já tinha sido elaborado um plano B para definir o abandono da Itália da moeda única. Um plano que requeria sigilo máximo e um decreto-lei aprovado (e aplicado) numa sexta-feira, com os mercados fechados.

Em poucos minutos, Itália tornou-se num aliado pouco digno de confiança, o spread para a divida pública italiana (nos mercados de capitais internacionais) aumentou, aumentou… até que todos tiveram que voltar a renegociar a composição do novo governo e para evitar efeitos perversos e correlatos efeitos de contagio. Assim, foi proposta ao presidente da República Italiana uma segunda lista de ministros. Savona recebeu uma nova pasta, politicas comunitarias, e na economia foi Giovanni Tria, próximo de Forza Itália, o novo nome.

É o governo mais à direita da história de Itália e que nos aproxima dos paises de Visegrád (Polónia e Hungria, entre outros). Por um lado, temos o Movimento 5 estrelas aliado na Europa com os ingleses da Ukip e os alemães da Allianz für Deutschland, e que embora recuse a divisão entre esquerda e direita (os fascistas do período entre guerras também…) também disse que tanto lhe dava aliar-se com o Partido Democrático ou com a Liga, acabou com os nacionalistas conservadores da última, amiúde associados à direita radical populista (pelo cânones mais mainstream da ciência política). A Liga está próxima de Vladimir Putin e do Front National, de Marine Le Pen. Por fim, compõe também esta nova aliança política governativa os Fratelli d’Italia, partido já classificado como pós-fascista, que garantirá apoio ao governo a partir do Parlamento, sem contudo o integrar (tal como BE, PCP e PEV em Portugal, face ao governo do PS).

O programa reflete, porém, a natureza ambígua deste governo e, sobretudo do MoVimento 5 Estrelas, a oscilar entre a esquerda e a direita. Por um lado, a diminuição de impostos para as camadas mais ricas da sociedade, a famosa Flat Tax, ou seja, uma espécie de IRS com escalão único de 20% para todos. E depois temos as politicas de segurança, com Matteo Salvini (o líder da Liga) a liderar o Ministério do Interior. Ou seja, seguindo os lemas da Liga: fora com os imigrantes, deitar abaixo os campos irregulares de ciganos, mais prisão para todos; e liberalização da legitima defesa (isto é, do porte de arma) em caso de roubo. Por outro lado, há a critica à privatização dos bens comuns, como a água, e, portanto, aponta-se para a necessidade de manter públicos estes bens primários, essenciais. A ecologia e a necessidade de mudar de modelo de desenvolvimento parece também ser uma outra aposta. Mais controversa é a proposta para uma medida de subsidio ao desemmprego. É o redimento de cidadania, que, apesar do nome, não se aproxima tanto do modelo de rendimento básico incondicional, mais do subsidio de tipo alemão, onde, após a recusa de propostas de trabalhos, ou apos três anos (em qualquer caso), tal subsidio é abolido.

Por fim, um dos temas mais delicados: a Europa. Neste campo, o sentimento dominante na opinião publica é algo negativo e daí vem uma boa parte do poder de atração deste governo que aparece como bastante maior de que o seu poder de captar votos. A desconfiança face à Europa e ao Euro, tal como o desejo de se fechar na propria comunidade, é um sentimento muito difuso na sociedade… mais do que apenas nos círculos da direita e das direitas, sobretudo as radicais e/ou populistas. Paradoxalmente, ou talvez não… também encontramos tais desejos entre as esquerdas.  Fala-se, há anos, de uma reforma democrática profunda, não austeritária, das instituições e políticas europeias, mas de facto este é um ponto fraco da Europa: os objetivos de equilibro financeiro (deficit, divida, etc.) sobrepondo-se a tudo o resto…, o rigor desmedido (de pendor alemão e não só), a falta de democraticidade nas instituições europeias e nos seus processos de decisão, são tudo temas que os partidos do mainstream entregaram às direitas radicais populistas e, desse modo, desbarataram o consenso politico outrora existente sobre a Europa… propondo (as tais direitas radicais populistas ) em alternativa uma solução eurofóbica, de fechamento, e retrocesso nacionalista… Será provavelmente com propostas sérias, fundamentadas e exequíveis sobre um novo modelo de Europa, mais democrática e social, que as esquerdas poderão encontrar, porventura, uma forma para voltarem a ganhar protagonismo na Europa, em geral, e na península itálica, em particular.

Goffredo Adinolfi
goffredoadinolfi@hotmail.com

Vivo em Lisboa há vário anos, mas sou de nacionalidade italiana e belga. Fui Erasmus em Portugal entre 1998 e 1999. Em 2005 doutorei-me em Historia Contemporânea pela Universidade de Milão e desde então sou Investigador em Ciência Politica, no CIES-IUL do ISCTE-IUL, com financiamento da FCT. Sou ainda comentador convidado e/ou consultor (pro bono, ocasionalmente) de várias rádios, televisões e jornais, nomeadamente a Presa Diretta (Rai), o programa Prós e Contras (Rtp), o Jornal da Noite (Rtp), a Economico Tv, a Radiopopolare, a Radio 24. Desde 2011 colaboro regularmente com o diário italiano Il Manifesto.

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