Acertar a direcção

Acertar a direcção

Na sua última entrevista, o secretário-geral do PCP renovou o que anteriormente tinha sido afirmado pelo presidente do grupo parlamentar, João Oliveira e, com outra formulação, pelo conselheiro de Estado, Domingos Abrantes, que aquele partido estava em condições de assumir responsabilidades governativas, no quadro de uma solução política entre os partidos que actualmente dão apoio parlamentar ao governo do PS. Foi uma afirmação que seguramente  foi analisada e ponderada pelos órgãos dirigentes e que inverte a apreciação que durante muitos anos  o PCP teve sobre o significado de  assumir cargos governativos. Nesses tempos, o exercício dessas funções tendia a ser apresentado como uma espécie de colaboracionismo, uma traição ao espírito de classe do partido.

Presume-se que tenha sido o reconhecimento do que significaram mais de quatro anos de extrema austeridade e a avaliação globalmente positiva da experiência deste ciclo governamental que levaram os dirigentes do PCP a reconsiderar antigas reservas sobre a importância e necessidade da sua participação na condução da política governativa. De facto, embora não sejam contraditórios, o exercício propositivo é bem diferente do exercício executivo. O exercício propositivo, sendo indispensável, uma vez que há-de conter  o estudo e a  escolha das medidas, é manifestamente insuficiente quando o que está em causa é a mudança de políticas. Embora toda a acção fora do perímetro governamental seja indispensável, os seus efeitos ficam sempre aquém da sua potencial utilidade. É na execução que se concretiza o que ainda são só exigências. E para isso torna-se necessário estar nos lugares onde se podem accionar os instrumentos que fazem deslocar a realidade de um ponto para o outro.

O papel de actor político é distinto do papel de guionista político. O actor é o sujeito que interpreta e concretiza um guião, mas também o que lhe dá um carácter exclusivo. Escolhe o grau de coerência que o desempenho há-de ter para tornar a mudança uma manifestação da vontade colectiva. Por essa razão, o actual formato dos compromissos subscritos a 10 de Novembro de 2015 é já manifestamente insuficiente para colocar o muito que ainda falta fazer no topo das prioridades. Replicar esses acordos , mesmo em formato melhorado, era um passo atrás porque o caminho que já foi feito exigem políticas, medidas e protagonistas políticos que não carreguem consigo ambiguidades e resistências  quanto à sua aplicação e ao modo de as aplicar. O tempo que durou fazer o que está feito deve servir também para mostrar quem esteve aquém da  interpretação exigida pelo  processo de mudança iniciado por  esta solução política.

Embora oscilante, o espírito que esteve presente ao longo do mandato do governo  tem a obrigação, no outono de 2019, de ser transferido e actualizado para um governo, desta vez, de esquerda. Aprendemos a seguir/acertando a direcção há-de ser, por isso, a estrofe, que tanto tem sido cantada nestes dias, que nos há-de servir de inspiração para continuar.

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Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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