A SAÚDE MENTAL E O TRABALHO

A SAÚDE MENTAL E O TRABALHO

Recentemente (setembro de 2022) a OMS publicou dois documentos: “Diretrizes da OMS sobre saúde mental no trabalho” e “Saúde mental no trabalho: resumo de política para a sua prevenção, controlo e promoção e suporte e apoio” (este em parceria com a OIT), apelando, ambos, a novas medidas para lidar com os crescentes problemas de saúde mental na população trabalhadora e, não raras vezes, por este (trabalho) provocados.

Já muito foi divulgado por esta e outras instituições sobre os efeitos de abstinência, e baixa de produtividade e desempenho, da saúde mental para o trabalho e o seu inverso, o quanto o trabalho pode ser, em si, a causa de depressões e de ansiedade levando à perda de milhares (milhões) de dias de trabalho, e a perdas económicas evidentes ao nível global, além de “desigualdade e discriminação social”. E neste último contexto, estão implicadas não só exigências e horários pesados de trabalho, mas também outros fatores que geram mal-estar e um ambiente de carga negativa, onde cabem o assédio moral, e as chefias tóxicas, o denominado “mobbing” que se encerra de uma enorme carga de violência psicológica.

Nestes dois documentos da OMS, recomenda-se mesmo que os responsáveis e gestores laborais sejam formados, sensibilizados e “treinados” para a prevenção do stress nos locais de trabalho, por forma a evitar ao máximo o sofrimento dos trabalhadores, e consequentes transtornos mentais – em 2019, 15% dos adultos em fase ativa, sofriam de doença mental, de acordo com este organismo de saúde.

Mas este, é ainda um tema tabu nos locais de trabalho e não é só nas pequenas localidades. Recentemente, soube de uma situação na grande Lisboa, em que um grande organismo público contratualizou um psicólogo – isto para um universo de cerca de 500 trabalhadores… Não obstante ter sido um passo positivo, mesmo a pecar pela desproporção notória, o que mais ressaltou foi, por um lado, o descaso das hierarquias com a iniciativa e, por outro, a relutância de muitos funcionários à presença deste profissional. Já decorreram quase dois meses e este ainda não foi procurado por ninguém para assistência nem reuniu com os responsáveis para, por exemplo, se delinear um programa de prevenção e suporte aos funcionários da empresa. E falamos de uma entidade onde a pressão e sobrecarga de trabalho são imensas, onde a insatisfação e as baixas médicas se fazem sentir, e onde a mobilidade é rodopiante. Ou seja, há ainda muito para quebrar na barreira do tabu que é, ainda hoje, a saúde mental nas sociedades e locais de trabalho.

Nos documentos enunciados – que merecem uma leitura atenta da generalidade da população, mas sobretudo dos empregadores (públicos e privados), agentes políticos (que resistem a aumentar o investimento público na saúde mental) e agentes da saúde – inscrevem-se também recomendações para que os trabalhadores atingidos por problemas de saúde mental sejam apoiados por intervenções que lhes permitam o retorno ao trabalho, acomodando as suas necessidades particulares, ou seja “intervenções de saúde e humanitárias voltadas para a proteção dos trabalhadores”.

Passamos a maior parte da nossa vida no trabalho, pelo que é fundamental que se criem “culturas de trabalho positivas” com um ambiente “seguro e saudável” em que todos os trabalhadores se sintam acolhidos e apoiados, sobretudo os que padecem de algum transtorno mental.

Sobretudo, que se torne o trabalho num fator de proteção e de promoção de saúde mental e nunca o contrário.

 

( publicado previamente no JN Madeira, 27/10)

mm
Sílvia Vasconcelos
vasconcelos.silvia@gmail.com

Médica Veterinária, com mestrado em microbiologia alimentar; pós-graduação em comportamento animal e doutoramento em Ciências Veterinárias, componente biomédica sobre os benefícios dos animais para saúde mental dos idosos ,com livro e artigos publicados sobre o mesmo tema. Actualmente é dirigente nacional do Movimento Democrático das Mulheres, foi também deputada na Assembleia Legislativa da Madeira. debatendo-se por múltiplas temáticas em que se destacam os direitos dos animais, direitos sociais e dos trabalhadores, direitos dos idosos e das crianças; cultura, ambiente e igualdade de género. Foi ainda actriz no Teatro Experimental do Funchal, integrando vários projectos artísticos de teatro, televisão e locução desde 1986.

No Comments

Post A Comment

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.