(Brasília - DF, 22/02/2017). Presidente Michel Temer durante encontro com o novo Ministro do STF, Alexandre de Moraes. Foto: Valdenio Vieira/PR

A Reforma da Previdência e os prestidigitadores de 1988.

A erosão de direitos sociais e a implementação de medidas impopulares são elementos que têm permeado a fundamentação política do governo de Michel Temer. Dentre as diversas medidas desse cunho – como a elaboração da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 (antiga PEC 241)[1], a extinção do Ministério da Cultura, as vendas de ativos do Pré-Sal e de outros empreendimentos da Petrobras para empresas estrangeiras[2], etc , a reforma da Previdência Social é aquela que suscita maiores temores no Congresso. Isto porque, diferentemente das demais medidas, que afetam grupos particulares ou têm seus efeitos distribuídos no longo prazo, a reforma da Previdência atinge direta e imediatamente uma imensa gama de cidadãos, o que pode prejudicar as ambições eleitorais de seus representantes.

A reforma visa alterar oito artigos da Constituição Federal, incluindo o aumento da idade mínima para aposentadoria, que passará a ser 65 anos para homens e mulheres[3]. Ainda mais alarmante são as alterações no Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC). Partindo do entendimento de que nenhum ser humano deve ser condenado à miséria, o programa concedia benefícios corrigidos de acordo com o salário mínimo, a qualquer cidadão de baixa renda com mais de 65 anos, independente de contribuições prévias. Pela nova proposta, o BPC será desvinculado do salário mínimo, além de ter a idade mínima elevada de 65 para 70 anos.

A emenda não é pontual, atingindo o mais arrojado legado da Carta de 1988: a criação de um sistema de Seguridade Social que assume a responsabilidade por garantir de modo incondicional e universal um conjunto mínimo de direitos sociais a todos os brasileiros. Diante dela, nos cabe questionar se assim como o Regime Militar assumiu para si a tarefa de sepultar um ideal de organização e empoderamento da classe trabalhadora, disseminado ao longo da era Vargas, o atual regime visa enterrar o princípio de universalidade que estrutura a forma como a Carta incorpora o ideal da dignidade humana e os direitos fundamentais.

Essa batalha tem sido travada com afinco. A crítica ao sistema de Segurança Social têm sido intensamente articulada em diferentes setores da opinião pública. De modo geral, observa-se a disseminação de uma retórica que a apresenta como bala de prata, sem a qual  o país não será capaz de derrotar os desafios que o impedem de sair do lamaçal em que se encontra. Esse discurso, todavia, se sustenta em dois argumentos distintos. O primeiro, a ser abordado na próxima seção, é de natureza empírica e falaciosa. O segundo é de natureza normativa, porém incompatível com a nossa ordem Constitucional.

[1] A Proposta de Emenda Constitucional 55 (antiga 241, quando tramitava na Câmara) congela os gastos governamentais por 20 anos, sendo estes apenas reajustados pela inflação. Assim como no caso da reforma da Previdência, o argumento do governo é que essa é a única alternativa de sanar o déficit fiscal brasileiro. A Proposta de Michel Temer gerou inúmeras manifestações em todo o país, sobretudo por parte de estudantes. Ao todo, foram cerca de 229 universidades ocupadas e mais de 1000 escolas por todo o Brasil. As principais contraposições à Proposta vão no sentido de conceber a medida como um instrumento para frear os investimentos governamentais em saúde e educação.
[2] A Petrobras pretende levantar US$ 34,6 bilhões em privatizações até 2018. Até o momento, os maiores negócios anunciados foram a venda da malha de 2,5 mil quilômetros de gasodutos NTS por US$ 5,19 bilhões, a venda da participação em campo do pré-sal para a Statoil Brasil Óleo e Gás por US$ 2,5 bilhões e a venda da Liquigás para a Ultragaz por R$ 2,8 bilhões. Em realção ao Pré-Sal brasileiro – que representa o maior campo petrolífero já encontrado em uma profunda região abaixo das camadas de rochas salinas ou evaporíticas (abrangendo 800 km) -, não há mais exclusividade nacional em sua operação, graças ao Projeto de Lei (PL) 4567/2016, de autoria do então senador José Serra (PSDB-SP). Em 21/12/2016, a Petrobrás vendeu fatias em duas áreas que estão entre as mais promissoras do Pré-Sal para a empresa francesa Total, a venda foi estabelecida por US$ 2,2 bilhões.

Ver mais em:

http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2016/09/veja-o-que-petrobras-ja-vendeu-e-quer-vender-ate-2018.html

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1843549-petrobras-vende-fatia-de-areas-no-pre-sal-para-francesa-total.shtml

https://www.brasildefato.com.br/2016/10/06/sergio-gabrielli-petrobras-deixa-de-ser-o-centro-do-desenvolvimento-industrial/

Acesso em: 07/02/2017
[3] A atual legislação determina para aqueles que desejam receber o benefício total, um mínimo de 60 anos para mulheres e 65 para homens.

Mayra Goulart
mayragoulart@gmail.com

Professora de Teoria Política e Política Internacional e Vice-Coordenadora do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Coordenadora do Observatório dos Países de Língua Oficial Portuguesa (OPLOP/UFF) e Pesquisadora Visitante do CIES (ISCTE/IUL).

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