A PROPÓSITO DO INIMIGO PRINCIPAL

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Gorou-se a hipótese de se constituir um movimento que reunisse as várias correntes de opinião da esquerda para disputar as eleições presidenciais, protagonizadas por uma figura que estivesse em condições de o liderar. Entre as razões para essa incapacidade está principalmente a circunstância social em que essas eleições vão ser disputadas. Desde há uns meses a esta parte que a situação sanitária do país e as consequências sócio-económicas geradas por ela que ocupam grande parte das preocupações da população, mesmo daqueles sectores que estariam em condições de impulsionar tal movimento. Todos os indicadores económicos e sociais indicam que já estamos a viver novamente dias difíceis e que regressou a incerteza quanto à sua direcção e duração. 

Não ter passado de uma aspiração que não chegou a ter expressão pública, tendo-se ficado por um assomo voluntarista de confrontar a hierarquia há muito reconhecida como reunindo as condições políticas para se apresentar na disputa eleitoral, foi o sinal de que, desta vez, o eleitorado está conformado com a solução que se avizinha. E quem poderia ter desempenhado o papel de surdo-mudo, dada a sua condição institucional, tomou de imediato partido por uma das partes, aquela que tem as favas já contadas, salvo um imprevisto de última hora. Além disso, no painel dos potenciais candidatos a tal disputa, não se vislumbrava quem se equiparasse a Manuel Alegre ou Sampaio da Nóvoa, aqueles que até agora conseguiram despertar o entusiasmo de um importante sector do eleitorado, podendo-se dizer que se lhes deve a solução governativa de 2015,tal foi o papel por eles representado na convergência que entretanto se gerou.

Pode-se então questionar a quem deve o eleitorado de esquerda, aquele que não está comprometido partidariamente, dirigir o seu combate político. Podemos afirmar, apesar dos considerandos, que não deixa de existir um inimigo, que é a extrema-direita. O seu candidato dispõe de todas as condições materiais para transformar a campanha eleitoral numa caminhada para se implantar em todo o território nacional. A seu favor, além de uma logística invejável, tem tido de uma parte substancial da comunicação social os favores devidos a quem o país serviços relevantes. Menosprezar este partido e o seu líder  por não ter ainda uma base eleitoral que lhe permita ter aspirações mais robustas seria o pior erro político que se poderia cometer. É humilhando eleitoralmente esta candidatura que o ambiente político se torna mais respirável e que as suas ameaças poderão ser ridicularizadas. Sem esse escrutínio, com uma votação que ultrapasse qualquer dos candidatos que se situe no campo da esquerda, teremos pela frente um adversário cuja bandeira política será então mais difícil de derrubar. Por isso, importa cerrar fileiras e não deixar à solta quem já mostrou que os velhos tempos continuam a fazer o seu caminho.

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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