A política do pirolito

A política do pirolito

No imposto que agora é introduzido sobre os refrigerantes, o que fica garantido é a arrecadação de receita. Quanto ao efeito sobre o consumo dessas bebidas, as dúvidas são mais do que muitas, e a existirem são marginais. Em Paris, na Feira Internacional do Sector Agroalimentar, o ministro da Economia devia, por isso, abster-se de se pronunciar sobre o assunto, caindo no ridículo ao afirmar que iria contribuir para “a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde” http://24.sapo.pt/economia/artigos/ministro-da-economia-justifica-imposto-sobre-refrigerantes-com-razoes-de-saúde.

De há muito que o SNS está subfinanciado, qualquer que seja o ponto de vista que se adopte. Mas do que de facto se trata é da inexistência de uma política de saúde e de uma política para o SNS. A soma de medidas casuísticas, de que esta é um exemplo, não são uma política de saúde. Representam uma sanção ao consumo, mas como é dos livros e da experiência não é com sanções que se alteram, modificam ou melhoram os hábitos. A não ser que se adopte, mesmo simbolicamente, a lei do chicote. Novas rotinas, mais saudáveis, só se adquirem se representarem valores que foram progressivamente adquiridos em processos educativos multissectoriais, nos quais os vários segmentos da população a atingir estejam activamente envolvidos. Fora disso, este tipo de medidas serve para excitar a imaginação sobre a maneira como encontrar alternativas ao castigo.

Ao associar esta receita à sustentabilidade financeira do SNS o governante está a dar o sinal errado. Que é, o governo está a precisar de dinheiro, logo um imposto sobre refrigerantes vem mesmo a calhar. E mesmo que fosse consignado à Saúde, sabemos, por experiência de muitas décadas, em que rubrica ela vai imediatamente cair, no tratamento da doença crónica: consultas, internamentos, cirurgias. É assim que está e se mantém o mecanismo que alimenta a doença açucarada. Se o SNS está a transformar-se numa bolha surda ao que lhe andam a gritar aos ouvidos, é porque a sua requalificação não está na agendada nos planos nem da tutela nem de quem anda a plantar hospitais onde o SNS está inerte ou em progressiva retirada.

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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