A periferia (im)perfeita

Precipito-me a escrever antes ainda de ter terminado a leitura mas o impulso é mais forte que a razão, tal como a vontade da partilha.   

Cruzei-me, no momento certo, com “A periferia perfeita. Pós-modernidade na Arquitectura Portuguesa. Anos 1960-1980”, da autoria de Jorge Figueira, arquitecto e professor na universidade de Coimbra.

As palavras do autor convidam a uma viagem pela história da arquitectura na segunda metade do século XX. Uma viagem síntese, e não sintética, uma viagem crítica, teórica e desassombrada.

Em poucas palavras Jorge Figueira guia-nos por entre os conceitos de Zevi, Benevolo, e Rogers umas vezes reescrevendo outras revendo e reinterpretando a história da arquitectura portuguesa (diferente de arquitectura em Portugal) a partir da obra de Távora, Siza, entre outros.

 

Este é o momento certo para falar aqui deste livro. O contexto político e social voltou a mudar, e se em 2014 o autor questionava o sentido de falar de Portugal como uma periferia perfeita, depois de já o ter defendido também em 2009 aquando da defesa da sua tese de doutoramento, parece-me que em 2017 a expressão ganha uma dimensão ainda mais profunda. A pertinência que encontro no título é a principal divergência que leio nas palavras do autor. A condição periférica teve sempre espaço para a perfeição. Mesmo nas circunstâncias de uma ditadura cruel existiram bolsas de perfeição, rupturas silenciosas e experimentalismos que anteviram e prepararam a revolução. Dentro de um contexto político e social miserável encontramos caminhos de sentido contrário que serviram de base para o desenvolvimento do país depois do 25 de Abril.

Na arquitectura portuguesa essa base pode ser encontrada na obra de Fernando Távora e na sua revisão do Moderno, através da construção de uma síntese entre os pressupostos racionalistas, o “projecto orgânico” de Zevi e a “continuidade” de Rogers. Estabelecendo ele próprio novas ligações entre a história da arquitectura portuguesa e a contemporaneidade.

Neste processo lemos uma aproximação natural ao lugar, às pessoas e às questões sociais que em 1974 ganham um novo sentido, nomeadamente através da luta pelo direito à habitação, parcialmente experimentado e conquistado nas operações SAAL, e que terá depois grande importância na obra de Álvaro Siza. Em contraponto observamos o crescimento do projecto neo-liberal de Margaret Thatcher acompanhado por uma crescente influência anglo-saxónica que acaba por derivar numa terceira via sem saída.

Num momento em que a diversos níveis, Portugal é novamente uma “periferia perfeita” e que a solução governativa encontrada é uma verdadeira alternativa para a reconstrução do estado social, é importante convocar novamente os arquitectos para o debate sobre a cidade. A “periferia perfeita” já não é a dos anos 90, dos concursos públicos ou da expo 98, também já não é a do Euro 2004 ou da Parque Escolar. Na “periferia” agora o “problema” é a Reabilitação, sendo a responsabilidade dos arquitectos acrescida, sobretudo, depois dos resultados das experiências anteriores. Os arquitectos não têm mais museus para fazer na “periferia” mas têm a responsabilidade de estar presentes na consolidação das cidades, na preservação do património como também na discussão dos fenómenos em torno do turismo.

A realidade é esta, não é perfeita como aquela outrora sonhada mas o que conta é a construção do caminho, o processo, não tanto o resultado mais ou menos (im)pefeito.

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Ricardo Santos
ricardofernandessantos@gmail.com

Ricardo Santos (Andorra, 1982). Arquitecto pela Universidade Lusíada de Lisboa, 2005. Doutor pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, com a tese “Arquitectura Portuguesa no tempo longo”, 2014. Membro do Conselho Editorial da colecção “Cidade Participada: Arquitectura e Democracia” dedicada às Operações SAAL e editada pela Tinta-da-China. Desde de 2010 tem participado em diversas publicações e apresentado o seu trabalho como arquitecto e investigador.

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