
05 Mar A conspiração por outros meios. Exemplo.
É inquietante o que se está a passar com a diplomacia portuguesa. Sobretudo porque não se trata da orientação unilateral do titular da pasta dos negócios estrangeiros, mas porque abrange todo o governo e, indirectamente, a maioria parlamentar que o apoia. Embora BE e PCP se tenham distanciado do posicionamento assumido pelo governo, a verdade é que não foi suficiente para fazer inflectir o apoio que continua a ser dado ao autoproclamado presidente da Venezuela. De tal maneira, que o embaixador português naquele país esteve no aeroporto de Caracas a receber o indivíduo, numa clara manifestação de infracção às mais elementares regras de relacionamento entre dois países e de hostilidade aos seus legítimos representantes. Sobre a escolha do ministro Santos Silva já não restam dúvidas a quem ele daria o abraço de boas-vindas a Portugal; já o primeiro-ministro mantém uma apreciação equívoca quanto ao assunto, dando, dessa maneira, espaço e oportunidade a que se assista ao lamentável espectáculo do embaixador português.
Tudo se precipitou quando, a 23 de Janeiro, Santos Silva deu a cara pelas posições dos países que defendiam o golpe a propósito da entrada indevida do que foi designado por ajuda humanitária, mas que outros classificaram de cavalo de Troia da conspiração. Falhado o golpe a 23 de Fevereiro, e mau grado se ter multiplicado em explicações e ter negado o que disse um mês antes, o ministro acabou por não reconhecer o erro político, manter a sua posição inicial e dessa maneira dificultar as relações bilaterais, já com consequências no domínio económico.
A acompanhar esta decisão política, a televisão pública tem-se prestado à mais inverosímil actividade jornalística, ao tornar-se, por via do seu enviado naquele país, numa autêntica agência de propaganda do autoproclamado presidente. Que os canais privados o façam, é da sua conta e da agenda política dos seus responsáveis. Que a televisão pública tenha uma agenda política, extravasando a sua missão, que devia ser informar com imparcialidade o que se passa naquele país, merece todos os reparos, críticas e condenações. Os contribuintes, dada a diversidade de pontos de vista que têm, não podem ficar à mercê de reportagens e opiniões que distorcem a realidade ao transmitirem quase exclusivamente o que se passa num dos lados da barricada. Isso tem um nome, intoxicação política. Os serviços públicos estão obrigados a ter regras, valores, a serem imparciais e contribuírem para o esclarecimento sobre o que se passa em Portugal e no mundo. Os serviços públicos não se podem constituir em redomas á prova do que se passa fora dela.
Hoje está claro que houve uma conspiração para derrubar o presidente legítimo da Venezuela e que o governo português fez parte dessa conspiração. E está também claro que embora a conspiração tenha falhado, o governo não retirou qualquer lição dessa aventura, mantendo uma indisfarçável beligerância com aquele país. Esta página negra da diplomacia portuguesa já não podendo ser apagada, havia que se ter a ousadia de dar sinais de que se tratou de uma decisão irreflectida, ao arrepio do que tem sido a sua melhor tradição, contribuir para a resolução de conflitos internacionais. Ao atrelar-se aos que tinham interesses geoestratégicos e económicos na região, o governo português prestou um mau serviço aos venezuelanos, aos portugueses residentes naquele país e a todos os portugueses.
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