TAP Low Cost mas simultaneamente com menor qualidade e maiores preços

TAP Low Cost mas simultaneamente com menor qualidade e maiores preços

Viajo bastante de avião, sobretudo na Europa (mas não só) e em regra na TAP (exceto quando a inexistência de voos diretos obrigaria a demasiados transtornos; mesmo assim tento escolher os parceiros da TAP na Star Alliance). Sou Passageiro Frequente da TAP Vitória.

Gosto da TAP: tem sido até aqui uma empresa de elevada qualidade e segurança. Adicionalmente, é a empresa de bandeira do meu país, e ainda hoje com capitais maioritariamente públicos, e falam português (mesmo não sendo o inglês, o francês ou o espanhol um problema para mim).

Todavia, desde a privatização (a qual, felizmente, foi parcialmente revertida pelo XXI governo constitucional, fruto de uma aliança entre o PS e os partidos à sua esquerda: com a reversão, o Estado ficou com 50% do capital, se não estou em erro, os privados da Azur e da Barraqueiro cerca de 45%, e os restantes cerca de 5% estarão em fase de venda aos trabalhadores) que a companhia está a caminhar no sentido de uma companhia Low Cost, embora com enorme aumento de preços e degradação da qualidade. Vejamos porquê.

Primeiro, porque os preços do serviço base, Basic, estão ao nível do que sempre foram, mas com menos serviços associados. Ou seja, quem quer pôr uma mala no porão, tem que pagar extra. Geralmente não uso este serviço, mas quando o tenho de usar, há lugar a um aumento de preços significativo face ao baseline anterior porque este antes incluía estes serviços. Adicionalmente, e porque geralmente não ponho mala no porão e tenho mais que fazer do que ficar tempos infindáveis para sair do avião…, faço sempre o check-in online e reservo os lugares nas coxias e o mais para a frente possível no avião (dentro da Economy Class). Pois na nova TAP Low Cost escolher o lugar onde se quer ficar é agora pago, pelo que há, também aqui, lugar a um aumento de preços significativo face ao baseline anterior porque este antes incluía estes serviços. E quis-me parecer que as pessoas que vão nos lugares mais para trás são impedidas de levar um computador portátil além da mala de mão permitida… mas aqui não estou certo porque como eu ia nos lugares da frente não fui admoestado por isso…  E já nem falo nos brutais cortes na oferta de comida, que nos voos de curtas distâncias me parecem até adequados, mas que, dado o corte no serviço sem correspondente descida de preço, na verdade configuram um aumento encapotado de preços: vender menos serviços pelo mesmo dinheiro consubstancia-se na verdade num aumento de preços camuflado…

E os side-effects adicionais na degradação da qualidade estão à vista, como pude constatar no voo da TAP que fiz de Madrid para Lisboa em 12-2-2017 (TP1021, 18h35m). Não coloquei mala no porão, mas tive de pagar mais 15€ para Madrid, e outros 15€ de volta para Lisboa, para poder ir nos lugares da frente (entre os números 4 a 6, Economy Class). Como comida, ofereceram-me um palmier torrado em miniatura. Não queria mais, confesso, pois aliás nem isso comi; mas tendo em conta que o preço no serviço Basic se manteve, tal configura um claro e significativo aumento de preços (a somar aos outros dois já referidos, note-se).

Mas o pior ainda estava para vir. Tentei embarcar logo no inicio do boarding, e por isso ainda consegui lugar para a minha bagagem de mão, mas as pessoas que vieram um pouco mais tarde já poucos tiveram lugar para pôr as malas junto a si nos compartimentos adequados, tiverem de as pôr debaixo dos bancos da frente ou no sitio próprio mas muito longe dos seus assentos. Os lugares para bagagem de mão eram insuficientes e, com os novos incentivos para não se levar bagagem de porão, toda a gente tenta levar o máximo consigo. Apesar de ter encontrado lugar para a minha mala junto ao assento, e conseguir pôr o portátil debaixo do banco de frente (algo que não sei se era permitido nos lugares não pagos… ou seja, não sei se era permitido levar o portátil além da mala de mão, pois pareceu-me ver alguns passageiros a serem admoestados…), à minha volta gerou-se a confusão total com passageiros a porem as malas debaixo do assento da frente, ou em cima (no lugar para a bagagem de mão) mas muito longe dos seus lugares…

Perante aquele caos, vislumbrei o que me poderá acontecer a mim numa próxima vez em que, apesar gastar muito mais dinheiro com o serviço base / BASIC (cerca de 181,92€ + 60€ pelos lugares + o brutal corte na comida que, todavia, não deduziram no preço), e, por isso, quis-me queixar. Eis senão quando peço o pequeno formulário que a TAP sempre tinha tido para o efeito no avião, quando era 100% pública e não tinha registo Low Cost, e o funcionário (depois o comissário de bordo) me dizem que já não há formulário em papel para fazer a queixa no avião. Teria de o fazer online, num site para o qual me deram um cartão com a morada: vou queixar-me agora mesmo e usar este texto para o efeito (além de lhe dar projecção pública, inclusive junto da DECO). Confrontei o comissário de bordo com o seguinte: então e se eu tivesse problemas de literacia na rede / internet, estaria impedido de reclamar. Não, disse-me ele: há um livro de reclamações no aeroporto.

Ora bem, tudo isto configura uma TAP Low Cost mas, simultaneamente e paradoxalmente, com um significativo aumento de preços e menor qualidade nos serviços, e, cereja em cima do bolo, ainda por cima com menos direitos dos clientes para reclamarem. É óbvio que o objectivo dos novos obstáculos criados à possibilidade de as pessoas reclamarem só tem um objectivo, passe a redundância: levá-las a desistir de reclamar. E o recente filme de Ken Louch, «Eu, Daniel Blake», explica muito bem isso no caso da Segurança Social do Reino Unido. Aliás, aquilo que vi nos passageiros junto a mim foi muita gente com queixumes mas, simultaneamente, pouco motivada para fazer grandes esforços a reclamar formalmente: a cidadania anda pelas horas da amargura e a culpa nem sempre é (só) dos políticos…

Concluindo, esperemos que o capital ainda maioritariamente público da TAP sirva para alguma coisa: nomeadamente, para inverter esta deriva Low Cost mas, simultaneamente e paradoxalmente, com um significativo aumento de preços, degradação na qualidade nos serviços e, adicionalmente, menor capacidade de os clientes / cidadãos exercerem os seus direitos de reclamar.

André Freire
andre.freire@meo.pt

Professor Catedrático em Ciência Política. Foi diretor da Licenciatura em Ciência Política do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (2009-2015). É desde 2015 diretor do Doutoramento em Ciência Política do ISCTE-IUL. Investigador Sénior do CIES-IUL. Autor de numerosas publicações em livros e revistas académicas. Perito e consultor convidado de várias instituições nacionais e internacionais.

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