“A vaca voadora é a metáfora que melhor exprime e sintetiza a solução política encontrada para a constituição do XXI governo constitucional. Só na presença e combinação de um conjunto de condições sociais e políticas particularmente favoráveis seria possível a um herbívoro com as características deste bovino ganhar asas, levantar voo e voar”. Esta foi a entrada com que A Vaca Voadora se apresentou em outubro de 2016, e foi com ela que se publicaram para cima de duas centenas de artigos de opinião sobre esse acontecimento inédito na história da democracia portuguesa.
Em outubro de 2019, a situação política alterou-se por via do aumento da votação no PS, da estagnação do BE e do recuo do PCP-PEV. O entendimento formal alcançado entre estes partidos rompeu-se, não porque as com as políticas praticadas tenham sido responsabilizadas por esse rompimento, nem por uma avaliação negativa daquela solução política pelo eleitores das esquerdas (antes pelo contrário, tais avaliações dos eleitores eram em geral bastante positivas, entre todo os constituintes de todos os partidos da anterior aliança, PCP e PEV incluídos), mas porque as lógicas partidárias, nomeadamente do PCP e do PEV (os dois únicos partidos da anterior aliança que recusaram, à partida, qualquer acordo escrito para a XIV legislatura; depois foi o PS que recusou um acordo escrito só com o BE, apesar de este último estar aberto a tal solução), assim o justificaram. Entretanto outras forças políticas passaram a estar representadas na Assembleia da República, de que deve ser realçada a presença, pela primeira vez, da direita radical populista, com toda a carga real e simbólica que isso representa.
Neste espaço de tempo, entre as eleições de outubro de 2019 e o momento em que o primeiro orçamento do Estado está em vias de ser aprovada, A Vaca Voadora teve menor atividade. Aproveitou para refletir sobre a nova situação política e as oportunidades que se abrem para retomar a sua missão: voar, voar sempre mais alto, porque é da natureza das vacas aladas voarem. Com quatro anos pela frente, ela, a vaca, irá estar presente e contribuir para que, com papel ou sem papel, o espírito de 2015 nunca se perca. É dever das esquerdas não se distraírem, manterem o rumo, serem exigentes, nunca abandonarem o combate.
Em «A Vaca Voadora 2.0» iremos abrir o leque dos assuntos a tratar. A política nacional, mas também a política internacional e a cultura em todas as suas expressões. Todas as colaborações serão bem-vindas, desde que obedeçam ao único critério exigido: que sejam participações feitas de um ponto de vista de esquerda, construtivo e responsável. Porque é essa a razão pela qual decidimos continuar. Tanto mais que, dada a nova aritmética parlamentar e a diversidade de tendências no seio de cada partido das esquerdas, nomeadamente no seio do PS, é preciso uma vigilância acrescida de todos aqueles e aqueles que, como nós, acham que as alianças devem fazer-se preferencialmente à esquerda (tirando as questões estruturais de soberania), e não em registo «pisca-pisca», ou seja, ora à esquerda, à direita, conforme as conveniências políticas.