Excelência, excelentíssima….

A questão é bem mais difícil e ostensiva se fizéssemos um ranking a sério seria perguntar: alcançam os nossos concidadãos com enfarte agudo do miocárdio, cancro do cólon, leucemia, etc, resultados excelentes de acordo com o preceito constitucional do direito à saúde?

Excelência, excelentíssima….

O ranking dos hospitais divulgado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), entre vários, mede parâmetros ditos de “excelência clínica”. Não parecem significar, porém, a mesma “excelência” percebida pelo comum dos mortais, entre eles os próprios médicos que entendem que a excelência é outra coisa muito diferente.

O problema é de facto semântico, mas confunde. E pode inclusive deturpar o presente debate sobre a continuidade ou não das parcerias público-privadas, a ponderação dos seus méritos e defeitos, uma vez que o ranking da ERS promove algumas à categoria de “excelentes”.

Em medicina, não se podem descartar ou ofuscar os resultados da vida, morte, complicações e reabilitação. São eles  o cerne da excelência, a régua para aferir o prestígio de uma instituição, e a explicação das forças de atracção que hospitais, departamentos e serviços conseguem exercer sobre a procura.

As medições efectuadas pela ERS, agora vindas a público, tanto quanto se pode perceber, parecem focar-se em certos processos, de organização e gestão, mais relacionados com a circulação do doente e as suas condições de estadia, sem dúvida importantes, mas bem longe da tarefa exigente de medir a qualidade e excelência dos cuidados hospitalares quanto a resultados clínicos, robustos, onde reside afinal o efectivo direito à saúde.

São estes resultados que o público tem sem dúvida direito a conhecer, e sobre os quais mais precisa de ser informado, em vez de se desviar para uma “excelência clínica” que não vai ao cerne da qualidade da medicina praticada, ainda que tenha interesse para avaliar o melhor ou pior fluir de alguns procedimentos.

Diria que é aos tais resultados clínicos robustos que se deveria prestar atenção e não decidir com base em parâmetros menos fulcrais. A questão é bem mais difícil e ostensiva se fizéssemos um ranking a sério seria para perguntar: alcançam os nossos concidadãos com enfarte agudo do miocárdio, cancro do cólon, leucemia, etc, resultados excelentes de acordo com o preceito constitucional do direito à saúde? Se não alcançam, quais devem então ser as medidas a tomar? Aliás, mesmo nos insuficientes parâmetros divulgados pela ERS, parecem existir falhas assinaláveis em gestos simples que deveriam gerar alarme em vez do tom algo celebratório com que se elogia os bem classificados.

Salta à vista uma hipótese de interpretação neste estudo: relacionam-se, ou não, os supostos resultados mais com a idade jovem das instalações do que com a longa construção daquilo a que os antigos chamariam de geração de escola ou irradiação de cultura médicas?

Pode haver de facto  “dependência” estatística neste ranking – em que uma variável é determinada pela variação de outra mais escondida, como se conta no célebre filme Blow up de Antonioni – pois que os dois primeiros classificados são hospitais novos em idade e as velhas casas que tendemos a associar com o tal espírito institucional se ficaram afinal por menções medianas.

Os rankings hierarquizam parâmetros seleccionados para responder a certas perguntas e é desejável que ajudem a fazer correcções. O que a ERS divulgou sobre os hospitais seguramente que não poderá determinar, por si só, a política de saúde nem qual deve ser o caminho da requalificação do sistema hospitalar público.

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Paulo Fidalgo
paulofidalgo@inbox.com

Actividade profissional: médico gastrenterologista. Posição anterior: Chefe de Serviço no IPO de Lisboa. Posição actual: gastrenterologista na Fundação Champalimaud. Actividade associativa desde a associação de estudantes de Medicina, Sindicato dos Médicos e Ordem dos Médicos. Acção política em movimentos de esquerda

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