Elogio do berlinde

Elogio do berlinde

Fora do perímetro dos acordos de 10 de Novembro, é indiscutível que tem sido na área da educação que mais e melhores medidas têm sido tomadas, configurando um desempenho político ajustado às expectativas que eram esperadas desta solução política. Medidas que têm ido além  do cânone social-democrata, ao remeter para as escolas e as comunidades locais uma parte importante da responsabilidade do sistema educativo. Há, no entanto, um aspecto da pedagogia do ensino que está a exigir uma rápida revisão de métodos, os designados TPC. Por exemplo, em Espanha, os pais de crianças que frequentam a escola pública iniciaram esta semana uma greve de um mês aos trabalhos de casa passados aos seus filhos http://www.dn.pt/sociedade/interior/pais-de-alunos-em-espanha-iniciam-greve-de-um-mes-aos-tpc-5475832.html. Dada a autonomia pedagógica dos agrupamentos escolares e dos professores, é compreensível e desejável que a tutela evite utilizar o seu estatuto de autoridade para produzir orientações mandatórias sobre esta matéria. Há, no entanto,  todo um conjunto de acções de sensibilização e formativas que podem contribuir para os professores começarem a lidar melhor com esta situação, e com maior utilidade para as crianças.

Considerados até agora como um exercício de consolidação das aprendizagens escolares, há muito que foi abandonado noutras latitudes e substituído por outras práticas associadas à socialização das crianças, em ambiente escolar, comunitário e familiar. Se se pode considerar marginal a contribuição dos TPC para o aproveitamento e progressão escolar,  já o mesmo não se pode dizer quanto à sua responsabilidade na rejeição da escola e, por consequência, do seu abandono. Sobretudo nos primeiros anos, quando a criança é obrigada a fazer um salto do ambiente protegido da família para o ambiente exigente e competitivo da escola. Prolongar aquele estatuto dentro do contexto informal e lúdico da casa e arredores é  prolongar aquele ambiente para fora das fronteiras escolares. Além disso, é  questionável a convicção de que é prolongando o horário dedicado ao estudo formal que se aprende mais. Pelo contrário, é na associação  do exercício formal da aprendizagem com as oportunidades  para se adquirirem conhecimentos informais que se obtêm  melhores resultados escolares. As actividades lúdicas são, por esta altura da vida das crianças, os principais determinantes das aprendizagens e aquelas que estão mais bem colocadas para facilitar a adesão e o entusiasmo pelas actividades escolares.

Do que se trata, afinal, é de identificar e combinar um complexo de recursos e de actores sociais  que estão disponíveis nas comunidades locais e saber utilizá-los a favor das crianças. Tão importante como começarem a adquirir conhecimentos é a necessidade de adquirirem os valores de cidadania e os valores desses conhecimentos, em contacto directo com a cidade, a vila ou a aldeia. Os quais  podem estar descritos nos livros escolares mas escapam-lhes os acontecimentos que diariamente nelas vão acontecendo e  vão fazendo delas um campo de experimentação, onde a tentativa e erro pode ser testada sem particulares consequências para os erros cometidos.

Cipriano Justo
cjusto@netcabo.pt

Professor universitário, e especialista de saúde pública. Transmontano de Montalegre, com uma longa estadia em Moçambique, dirigente associativo da associação académica de Moçambique e da associação dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. Várias publicações, entre as quais sete livros de poesia. Prémio Ricardo Jorge e Arnaldo Sampaio.

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