Do desdém à breve lisonja

Do desdém à breve lisonja

Política : Entre duas campanhas eleitorais, o cidadão é cuidadosamente mantido à distância da res publica. Depois, durante breves dias, parece quererem dar-lhe atenção, porque precisam do seu voto…

O mesmo acontece noutros países europeus, diga-se desde já. Mas os políticos não parece darem-se conta do que isso tudo tem de artificial, deixando um rasto de encenação falsa aos olhos dos cidadãos.

Começam por pôr cartazes, mais ou menos gigantescos e um pouco por todo o lado (segundo as posses financeiras dos candidatos), poucas semanas antes das eleições. Cartazes em que a mensagem central é a foto deles próprios, acrescentando uma breve divisa (um slogan) quantas vezes vazia de conteúdo real.

Depois, já em plena campanha eleitoral, põem-se a meter nas caixas do correio uns desdobráveis em que se atribuem amiúde estatutos socioprofissionais espantosos e avançam propostas de ação mirabolantes e até irrealistas. Organizam depois uma reuniõezitas à pressa em que espalham muitos sorrisos e abraços, pronunciam algumas palavras de circunstância e até se põem à escuta das “pertinentes” intervenções dos presentes. E, lá mais para o fim da campanha, começam a percorrer ruas, festas, instituições e cafés, distribuindo a torto e a direito mãozadas e beijinhos mesmo a quem nem sequer conhecem.

E é aqui que está o problema. Entre duas eleições, mandatários políticos, militantes partidários e potenciais candidatos são incapazes de proximidade com os conterrâneos. Incapazes de os cumprimentarem, de conversarem um pouco com eles, de trocarem impressões sobre a vida quotidiana e a gestão pública. Incapazes de organizarem reuniões periódicas para, como mandatários, darem conta da gestão pública e, como militantes ou futuros candidatos, discutirem esta gestão e proporem alternativas devidamente preparadas. Incapazes portanto, uns e outros, de implicarem regularmente os cidadãos na vida da sua terra, da sua região, do seu país.

Países há no entanto, por esse Europa, onde os mandatários políticos asseguram “permanências sociais”, geralmente durante o fim de semana, para poderem estar à escuta dos eleitores e procurarem resolver problemas a que estes estão confrontados. Há quem os critique acusando-os de “clientelismo” e é verdade que isso até acontece. Mas o facto é que tais permanências se traduzem num contacto real entre responsáveis da coisa pública (da res publica) e simples cidadãos periodicamente chamados a serem eleitores.

Daqueles que elegeu, o cidadão espera explicações sobre projetos e decisões. Mas espera também poder ser consultado regularmente, nomeadamente no que diz respeito a iniciativas que delinearão o futuro da sua terra, da sua região e do seu país. E não é ignorando-o entre dois períodos eleitorais que depois o cidadão poderá dar crédito aos que só se lembram em véspera de eleições que afinal o dito cidadão até existe e poderá votar.

É verdade que o que acontece em Portugal acontece também noutros países europeus. Mas não há então que admirar se, cá como lá, há uma taxa de abstenção cada vez maior nas diversas eleições locais, regionais, nacionais ou presidenciais. Ou se as sondagens sobre o mundo da política e dos políticos dão resultados tão desastrosamente negativos. Sinais por demais inquietantes sobre a crise de democracias cada vez mais formais, puramente formais…

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J.-M. Nobre-Correia
JM.NobreCorreia@gmail.com

Professor emérito da Université libre de Bruxelles, foi nomeadamente titular das cadeiras de Teoria da Informação Jornalística, de História dos Média na Europa e de Socioeconomia dos Média na Europa (1970-2011). Paralelamente, foi professor convidado na Université Paris II (1996-2006), professor visitante na Universidade de Coimbra (1996-2001) e membro do conselho científico do Europäisches Medieninstitut de Düsseldorf (1995-2004).

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